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Novas "patrulhas ideológicas" ou "macarthismo de esquerda"?
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Novas "patrulhas ideológicas" ou "macarthismo de esquerda"?

Você é do “campo progressista” e concorda com as pauta dos movimentos sociais; participa da luta antirracista e pela igualdade de direitos; apoia o movimento LGTB+; é contra a invasão de terras indígenas e defende o meio ambiente? Aos eventuais leitores que responderam “sim”, mentalmente, peço passar à segunda uma pergunta.

Dilema
Alguma vez você já se viu no dilema de ter formado uma opinião ou elaborado alguma análise, mas deixou de publicá-la na rede ou em algum outro meio de comunicação, temendo ser criticado de forma desproporcional, justamente por pessoas com visão de mundo parecida com a sua, porém de um segmento intolerante?

Quem respondeu “não”, parabéns, é preciso de uma boa dose de coragem intelectual para enfrentar esse desafio. Para os que responderam “sim”, a autocensura - apesar de deletéria - é compreensível, pois o tribunal da internet é implacável e, por vezes, simplesmente desumano, pois cerceia o debate de boa fé e elimina o direito de defesa.

Debate aberto
Foi para protestar contra esse tipo de cultura que mais de 150 intelectuais, escritores e artistas dos Estados Unidos e de outros países - das mais diversas correntes de pensamento - assinaram a “Carta sobre Justiça e debate aberto”, publicada pela revista americana Harper’s, alertando para o “clima de intolerância” que envenena o debate público. Eles responsabilizam, não apenas a extrema direita, mas alertam que tal situação instalou-se por “todos os lados”, incluindo a esquerda.

A carta inicia-se aplaudindo os “poderosos protestos” por justiça racial e maior igualdade social, que correm o mundo. Porém, “levantamos nossa voz”, escrevem eles, contra um novo conjunto de “atitudes morais”, que tendem a enfraquecer a possibilidade de um debate aberto e tolerante, tornando-se uma tentativa de impor a “conformidade ideológica”.

Certeza moral
Afirmam que a intolerância com opiniões divergentes conduziu ao hábito “de levar pessoas à vergonha e ao ostracismo e à tendência de dissolver questões políticas complexas com uma certeza moral absoluta”. Defendem que o melhor modo de derrotar as “más ideias” é a sua exposição, “não a tentativa de silenciá-las ou expurgá-las”. A menção à tentativa de silenciar pessoas refere-se a editores demitidos por “publicar peças controversas; livros retirados por alegada falta de autenticidade; jornalistas impedidos de escrever sobre certos tópicos”.

Cultura do cancelamento
É também uma clara referência à chamada da “cultura do cancelamento”, que exclui a pessoa de grupos, tornando-a sujeita a boicotes e ataques violentos na rede. Para isso, não se leva em conta a vida, a história ou a obra do “cancelado”. Basta um pequeno escorregão ou divergência mínima, para ser condenado ao degredo.

Na década de 1970, o cineasta Cacá Diegues cunhou a expressão “patrulhas ideológicas” para criticar a esquerda ortodoxa, com sua visão tacanha da arte e da cultura. Nesta semana, em artigo na Folha de S. Paulo (13/7/2020) o jornalista João Pereira Coutinho foi bem mais duro: classificou a “cultura do cancelamento” como “macarthismo de esquerda”.

A propósito, a carta recebeu críticas ácidas de alguns setores, que soou como se fora a confirmação de seu conteúdo.
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PS. Entre outros, assinam a carta:
Noam Chomsky (linguista, um dos expoentes da esquerda mundial), Gloria Steinem (militante feminista), Nadine Strossen (ex-presidente da União Americana das Liberdades Civis), os escritores J.K. Rowling, Salman Rushdie e Margaret Atwood (autora de “O Conto da Aia”). Subscrevem também intelectuais negros como Nell Irvin Painter (historiador), Reginald Dwayne Betts e Gregory Pardlo (poetas).

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