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A operação Lava Jato sufocou-se em seus próprios abusos
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

A operação Lava Jato sufocou-se em seus próprios abusos

Ainda que os artigos possam ser lidos separadamente, este é uma espécie de continuidade do anterior, no qual comentei as causas externas que levaram ao fim da Lava Jato.

Internas
Neste, abordo as causas internas que fizeram a operação desviar-se de seu alegado propósito, deixando um rastro de abusos, ao ponto de comprometer seus aspectos positivos.

Xeque
Assim, uma iniciativa que poderia contribuir para a redução da impunidade, ela mesma foi posta em xeque, devido aos métodos pouco ortodoxos, para não dizer ilegais e persecutórios, utilizados pela equipe de procuradores de Curitiba e pelo ex-juiz Sergio Moro.

Discordâncias
Assim, abriram-se sérias discordâncias com a operação, não apenas por quem foi alcançado por ela, de forma justa ou não, mas de todos aqueles dotados de um mínimo de senso crítico, incluindo importantes juristas brasileiros e internacionais. Configurava-se claramente que os atalhos tomadas pela Lava Jato confrontavam-se com o que se espera da Justiça: julgamentos justos e imparciais.

Acima de qualquer suspeita
Assim, o mito de integrantes do Ministério Público (MP) acima de qualquer suspeita (principalmente Deltan Dallagnol) e de um juiz elevado à categoria de herói, popstar e salvador da pátria, Sergio Moro, começou a desmoronar. E a divulgação das conversas entre procuradores da força-tarefa e Moro revelaram as verdadeiras intenções da turma de Curitiba.

O chefe
Ao que indicam os diálogos, Moro era o verdadeiro chefe da operação, assumindo ao mesmo tempo o papel de juiz e acusador. As reportagens, publicadas pelo portal Intercept Brasil, levavam o selo de “Vaza Jato”, referência ao nome "Lava Jato".

Facada
Aliás, para ser preciso — deixando fora o episódio em que a rapaziada de Curitiba queria abiscoitar mais de R$ 1 bilhão para criar um fundo privado “anticorrupção” gerido por eles mesmos — a facada “interna” mais profunda na Lava Jato foi desferida pelo próprio Moro, ao aceitar o Ministério da Justiça do governo de Jair Bolsonaro.

Lula
Suspeita-se que as negociações tenham se iniciado durante a campanha presidencial de 2018, quando Moro ainda fazia o papel de juiz impoluto. E, mais, que ele tenha trabalhado deliberadamente para impedir a participação de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa.

O alvo
O problema é que a Lava a Jato escolheu uma vítima, o ex-presidente Lula, e pintou-lhe um alvo nas costas — como bem simbolizou o famoso power point de Dallagnol. Depois, saiu à caça de motivos para levá-lo à condenação.

Abjetos
(A forma abjeta como alguns procuradores referiam-se a Lula como “Nine” ou “Nove”, referência à falta de um dedo, que perdeu em acidente de trabalho. Tratando-o como bêbado e classificando de “brega” as roupas de Maria Letícia, mulher dele, demonstram desrespeito inaceitável, fosse quem fosse o investigado, porém reveladores do ódio que nutriam por ele.)

Opinião pública
Os exemplos são muitos, como a liberação ilegal de conversas de Lula, inclusive diálogos pessoais de Maria Letícia com os filhos, que nada tinham a ver com o processo, entram nessa conta do ódio. Queriam fazer com que a opinião pública se voltasse contra Lula, de qualquer forma.

Sem melindrar
Valia tudo para centrar fogo no mais importante líder petista, até deixar de investigar supostas irregularidades atribuídas ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para não “melindrar alguém cujo apoio é importante”, como escreveu Moro a Dallagnol.

Lula não era, portanto, um simples investigado, mas um inimigo político a ser destruído.

Moro também indicava “fontes” de acusação para que Dallaganol procurasse, e orientava o procurador nas ações da Lava a Jato, o que constitui ilegalidade. São vários os trechos de diálogos que mostram Dallagnol sendo orientado por Moro como se fosse (e era) um subordinado.

Organização criminosa
Sem dúvida houve corrupção no governo do PT. Porém, não é crível que sendo ele “chefe de uma organização criminosa”, como acusou a Lula Deltan Dallagnol, Lula tenha recebido como butim apenas um apartamento no Guarujá, apelidado de “triplex” e um sítio “brega” (segundo um procurador) em Atibaia.

Foi o que encontraram depois de revirar a vida financeira do ex-presidente pelo avesso.

Herói moral
Além disso, vestindo o modelito de paladino anticorrupção e herói moral, que muitos lhe atribuíam, inclusive parte da imprensa, Moro assumia um papel político, absolutamente incompatível a um magistrado.

“Limpar o Congresso”
Em uma conversa com Dallagnol, Moro diz que seu objetivo era “limpar o Congresso”. Continua: “O melhor seria o Congresso se autolimpar, mas isso não está no horizonte. E não sei se o STF tem força suficiente para processar e condenar tantos poderosos".

Papel do juiz
Isto é, a Suprema Corte não teria coragem de “processar” poderosos, porém ele, o Super-Moro era detentor da força. Além disso, não cabe a tribunais “processar” alguém, pois a tarefa deles é julgar processos. Assim sendo, não pertine a nenhum juiz limpar qualquer coisa (a não ser as próprias sujeiras), muito menos o Congresso Nacional.

Enjoativo
Chega a ser enjoativo — devido à quantidade de abusos praticadas pelos operadores da Lava Jato — reler as reportagens da Vaza Jato e, agora, uma nova leva de mensagens da operação Spoofing, que prendeu suspeitos de invadirem telefones de autoridades, incluindo Sergio Moro e procuradores de Curitiba. O sigilo do processo foi levantado pelo STF, a mando do ministro Ricardo Lewandowski.

Enfim, a operação sufocou-se em seus próprios abusos.

Ele sabia
Mas pior de tudo é que Moro sabia como essa aventura nefasta ia terminar. Em abril de 2004, o então juiz assinou em uma revista jurídica o artigo “Considerações sobre a operação Mani Pulite”, a Mãos Limpas da Itália, com a qual aprendeu várias coisas, inclusive a manipular a imprensa.

Na conclusão da análise, Moro escreve o seguinte:

“Não deixa ainda de ser um símbolo das limitações da operação Mani Pulite o cenário atual da política italiana, com o cargo de primeiro-ministro sendo ocupado por Silvio Berlusconi. Este, grande empresário da mídia local, ingressou na política em decorrência do vácuo de lideranças provocado pela ação judicial e mediante a constituição de um novo partido político, a Forza Itália. (...) Tendo ou não Berlusconi alguma responsabilidade criminal [ele também era investigado], não deixa de ser um paradoxo que ele tenha atingido tal posição na Itália mesmo após a operação Mani Pulite”.

Vácuo
Ou seja, o “vácuo de lideranças” provocado pela operação, levou ao poder na Itália um representante da extrema direita.

Qualquer semelhança com o Brasil não terá sido mera coincidência. No entanto, Moro utilizou conscientemente na Lava Jato todo o arsenal usado na Mani Puliti, incluindo seus erros.

Jardim ou pântano?
Será que Moro imaginava que, usando a mesma receita italiana, criaria no Brasil um jardim, em vez de um pântano?

De qualquer forma, está indelevelmente marcado no currículo de Moro o grande adjutório proporcionado por ele a Jair Bolsonaro, de cujo governo ele gostosamente participou, até ser chutado como um estorvo pelo presidente que ajudou a eleger.

Foto do Plínio Bortolotti

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