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Mayra Pinheiro depõe nesta terça na CPI e terá de explicar o "TrateCov", receitador de cloroquina
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Mayra Pinheiro depõe nesta terça na CPI e terá de explicar o "TrateCov", receitador de cloroquina

[Amigos e eventuais leitores, desculpem mais um texto longo, mas não resisti em reproduzir na íntegra o depoimento do ex-ministro Pazuello a respeito do "TrateCov", o aplicativo receitador de cloroquina. As explicações que ele dá sobre o assunto vão da mentira ao absurdo, a leitura seria até divertida, não estivéssemos em maio a uma tragédia.]
***

Os senadores aliados do governo na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia estão reclamando que o instrumento virou a “CPI da Cloroquina”. Isso por causa da insistência da oposição em buscar esclarecimentos de como o governo tratou esse medicamento e também outros usados no “tratamento precoce”, preconizados inclusive pelo ex-ministro da Saúde, general (da ativa) Eduardo Pazuello, quando já restava comprovado não existiram remédios para a Covid-19 a não ser a vacina.

Assim sendo, a política de saúde deveria estar voltada para a compra de imunizantes e para os tratamentos não farmacológicos, como o isolamento social, uso de máscaras de proteção facial e o evitamento de aglomerações. Justamente o contrário do que o governo fazia e continua fazendo. Portanto está certa a CPI quando busca esclarecer quanto de energia e recursos foram despendidos nessa política equivocada.

Cobaias
É assim que a médica Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, ficou no centro da discussão devido ao fato de ela ter liderado uma equipe que foi em Manaus para difundir o uso de cloroquina entre os médicos que atendiam pacientes de Covid.

Foi dela, segundo o depoimento de Pazuello à CPI, a ideia e a criação do aplicativo “TrateCov”, que recomendava cloroquina até para crianças e grávidas. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), chegou a dizer que a população de Manaus foi usada como “cobaia” para as experiência com cloroquina.

Explicações?
Porém, as explicações de Pazuello sobre o assunto foram incongruentes quando ele disse que a “plataforma” fora “roubada” por um hacker. Até aí, é possível, ele só não explicou como o tal hacker conseguiu implantar o aplicativo, que funcionou durante um período no portal do Ministério da Saúde.

Veja como foram as declarações de Pazuello sobre o assunto em seu primeiro depoimento (19/5/2021) — e a dificuldade dele em explicar com coerência o tal Trate-Cov:

Renan Calheiros (relator da CPI da Pandemia) - Quem determinou o desenvolvimento do aplicativo TrateCov e qual a finalidade do projeto?

Pazuello - O aplicativo, na verdade é uma calculadora, é um constructo, né, é uma calculadora, e ele vem de um sistema que é aberto...

Renan - Não é essa a pergunta. Eu perguntei quem determinou o desenvolvimento do aplicativo.

Pazuello - Ok, vou ser mais direto. Foi a secretária Mayra, ela me trouxe como sugestão, quando voltou de Manaus no dia seis de janeiro, que poderia usar um aplicativo, desculpe, o termo correto é uma plataforma, que já é desenvolvida para isso, que é uma calculadora, para facilitar o diagnóstico, o diagnóstico clínico feito pelo médico, exclusivamente pelo médico, e que ela iria iniciar, então esse trabalho para fechar essa plataforma. Essa plataforma ela foi (lançada) no dia 11 (de janeiro) em Manaus, em desenvolvimento, não concluída ainda. Era um protótipo. E essa plataforma ela não foi distribuída aos médicos. Essa plataforma ela foi copiada por um cidadão — e depois nós fizemos um boletim de ocorrência e uma investigação policial sobre isso daí. Esse cidadão ele fez a divulgação dessa plataforma, com usos indevidos. Quando nós soubemos que essa plataforma tinha sido copiada e poderia ser usada por pessoas que não eram, não estavam dentro do planejado, eu determinei que ela fosse tirada do ar e abrisse um processo para descobrir onde estavam os erros disso.

Renan — Então, só repetindo, quem determinou o desenvolvimento foi a secretária Mayra?

Pazuello - Ela me trouxe a sugestão para fazer isso.

Renan - E qual a finalidade do projeto?

Pazuello - Fazer o diagnóstico, auxiliar no diagnóstico...

Omar Aziz (presidente da CPI) - Era dia quatro de janeiro em Manaus e ela (Mayra) em uma coletiva ao lado do governador, ela falou do tratamento precoce... Não é bem assim. Eles usaram Manaus para fazer de cobaia...

Renan - Exatamente...

Omar Aziz - ...tá certo. Isso aí é crime contra o estado é crime contra as pessoas de uma cidade. É cobaia sim. Contra a vida. Dia quatro de janeiro, tem um vídeo da Mayra ao lado do governador do estado, e ela falava do tratamento precoce. Dia quatro de janeiro! E o grande problema do estado do Amazonas (a falta de oxigênio) aconteceu uma semana depois. Então, vir aqui e dizer... Tudo pode se falar, ministro, pode se negar cloroquina, pode se negar uma série de coisas, só não se pode negar aquelas imagens de pessoas sem oxigênio no meu estado. Isso aí não dá para negar.

Renan - Qual foi a unidade do Ministério da Saúde e o titular responsável pela entrada em operação do aplicativo TrateCov?

Pazuello - Essa plataforma foi colocada pela Secretaria de Gestão de Trabalho que é (a titular) doutora Mayra.

Renan - Secretária de Gestão e Trabalho (do Ministério da Saúde), dra. Mayra, que também determinou o desenvolvimento do aplicativo, levou o aplicativo e colocou em operação.

Pazuello - Não chegou a colocar em operação, senador.

Renan - Eu perguntei exatamente isso: quem é o responsável pela entrada em operação do aplicativo.

Pazuello - Olha só, o aplicativo, o aplicativo não, é uma plataforma, não é um aplicativo, nunca entrou em operação. Foi apenas apresentado o protótipo em desenvolvimento e foi copiado por alguém. E tem um relatório policial sobre isso. Posso lhe encaminhar também.

Renan - Qual foi a empresa contratada para desenvolvê-lo?

Pazuello - Não foi uma empresa, foi desenvolvido pelos próprios servidores da Secretaria da Mayra.

Renan - Como foram escolhidos?

Pazuello - Pela capacidade deles.

Renan - Quanto custou o produto?

Pazuello - Zero.

Renan - Quem tomou a decisão de interromper a sua utilização e por qual razão?

Pazuello - Não estava em utilização, eu mandei tirar do ar o protótipo.

No dia seguinte, Pazuello foi novamente instado a falar sobre o assunto e praticamente repetiu as mesmas explicações.

A seção “Fato ou Fake) do G1 (19/5/2021) classificou como “fake” (falsas) as declarações de Pazuello sobre o assunto:

«No dia 11 de janeiro, durante um evento em Manaus, o Ministério da Saúde lançou o aplicativo TrateCOV. O lançamento da plataforma também foi noticiado na TV Brasil. O TrateCOV foi definido pela pasta como “uma plataforma de auxílio que trabalha a coleta de sintomas e sinais de pacientes, permitindo que médicos possam estabelecer, com maior segurança e rapidez, o diagnóstico e optar, conforme sua autonomia profissional, ao tratamento mais adequado". O então ministro defendeu o chamado tratamento precoce na ocasião. O próprio ministério, aliás, usou o termo “aplicativo” nas redes sociais. E ao menos 342 profissionais foram habilitados para utilizar a plataforma, segundo a própria pasta. O G1 acessou a plataforma, que entrou, sim, em operação e recomendava o “tratamento precoce” com medicamentos ineficazes contra a Covid-19, como cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina. Segundo um especialista, o código do aplicativo parecia programado para recomendar o uso dos medicamentos aos pacientes independentemente de alguns dos campos preenchidos. A plataforma só saiu do ar no dia 21 de janeiro.»

Documento
Além disso, no dia 6/1/2021, um dos itens de um documento do Ministério da Saúde, assinado por Pazuello, dizia o seguinte: “Disponibilizar, para o Estado do Amazonas, o aplicativo para facilitar o diagnóstico da Covid-19”.

Pazuello, como se poderia esperar de alguém que acovardou-se na hora de assumir suas ações, jogou toda a responsabilidade do TrateCovid nas costas de sua auxiliar Mayra Pinheiro. Atirou na fogueira a subordinada para proteger a si mesmo e ao seu chefe, o presidente da República.


Grande soldado da pátria, que não tem coragem de assumir seus atos, e culpa a subordinada. Senhor oficial estrelado do Exército brasileiro, responda, por favor: quando se perde uma batalha na guerra, a culpa é do soldado ou general? De quem é a responsabilidade?

Mayra, por sua vez, chega à CPI escudando-se em uma decisão do Supremo Tribunal Federal que garante o seu direito de ficar calada quando o assunto for a crise de oxigênio em Manaus, pois responde a um processo sobre o assunto. Mas terá de falar sobre tudo o mais que lhe for perguntado. Espera-se que ela não culpe o estagiário.

Foto do Plínio Bortolotti

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