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Derrubar o "marco temporal" é fazer justiça aos povos originários
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Derrubar o "marco temporal" é fazer justiça aos povos originários

Entenda o que é marco temporal e porque o STF tem a oportunidade de fazer justiça aos indígenas no julgamento na próxima quarta-feira.

Aparentemente poucas pessoas estão preocupadas — ou mesmo entendem o alcance — do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que vai estabelecer se haverá ou não o “marco temporal” para a demarcação de terras indígenas no Brasil.

Os que defendem o marco temporal valem-se de uma inverdade, ao dizer que a Constituição estabelece que os povos originários somente poderiam reivindicar as terras que estavam ocupando na data da promulgação da Carta Maior, em 5 de outubro de 1988.

Portanto, em primeiro, alguns esclarecimentos.

O artigo 231 da Constituição brasileira estabelece o seguinte: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Ou seja, a Carta não estabeleceu nenhuma data para que os indígenas pudessem reivindicar terras ocupadas pelos seus antepassados.

Por que, então surgiu o debate a respeito do “marco temporal”?

No julgamento de um conflito ocorrido em Roraima, em 2009, o STF deu ganho de causa aos indígenas contra agricultores, que também reivindicavam a área Raposo Serra do Sol, sob o argumento de que a etnia estava no território no momento da promulgação da Constituição.

A decisão abriu brecha para argumentação em sentido contrário: que os indígenas não teriam direito a reivindicar áreas que não estavam ocupadas até 5 de outubro de 1988.

Assim, hoje existem dezenas de processos de demarcação que estão parados esperando definição do STF para seguir adiante, dando razão a uma ou a outra parte.

A partir disso, começam a cair os argumentos falaciosos dos que se batem em defesa do marco temporal.

1) De que o STF estaria agindo por cima da Constituição, que teria definido o “prazo” para que os indígenas pudessem reivindicar demarcações: a) como se viu acima, a Carta não estabelece data para pedidos de demarcação; b) o fato de o STF haver citado o marco temporal em um julgamento não pode ser visto como único argumento, sendo frágil a alegação de que valeria a interpretação em contrário; c) diferentemente de algumas narrativas, Supremo não agiu por conta própria, foi demandado, por isso precisa dar resposta; d) no ordenamento jurídico brasileiro, cabe ao STF interpretar a Constituição e, no caso, o chamado “marco temporal" não é explícito em seu texto, por isso cabe ao Supremo dirimir a dúvida.

2) Da forma como alguns defensores do marco temporal defendem a medida, a impressão que fica é que os indígenas podem escolher aleatoriamente qualquer área, ocupá-la e reivindicar a sua posse. O argumento está longe da verdade, pois a demarcação demanda estudos por grupos técnicos multiprofissionais, participação de instituições oficiais, e um longo processo até se chegar à legalização.


O caso dos xoklengs, de Santa Catarina (que estão nas manifestações de Brasília), pode ser citado como exemplo da tragédia que se abateu sobre os indígenas brasileiros. Como aconteceu com os demais povos originários, eles foram foram caçados como bichos e massacrados, incluindo mulheres e crianças, e os remanescentes expulsos de suas terras.

Agora, está nas mãos da Suprema Corte decidir se a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ, habitada pelos xoklengs, kaingangs e guaranis, deve incorporar áreas também reivindicadas pelo governo de Santa Catarina e por agricultores que hoje moram na área. Ou seja, eles não estavam nesses locais reivindicados na época da promulgação da Constituição, simplesmente porque foram expulsos de suas aldeias, mas as terras eram habitadas por seus antepassados.

Portanto, derrubar o chamado “marco temporal” é fazer justiça aos povos originários, o que o STF terá a oportunidade de realizar, quando retomar o julgamento do assunto, na próxima quarta-feira (1º/9/2021).

Foto do Plínio Bortolotti

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