Caso de Bruno e Philips lembra assassinato de Chico Mendes
Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Caso de Bruno e Philips lembra assassinato de Chico Mendes
Um consórcio de veículos de comunicação — a exemplo do que funciona para atualizar os dados da Covid-19 — teria condições de acompanhar o que acontece na Amazônia. A imprensa tem o dever de encontrar um meio de ampliar a sua cobertura na região.
A tragédia que se abateu sobre o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira e o jornalista britânico Dom Philips lembra o assassinato do seringueiro Chico Mendes. Ele foi abatido a tiros de escopeta na sua própria casa, no ano de 1988, no Acre. Na época, o ambientalista, que militava em defesa da Amazônia, era desconhecido do grande público e da imprensa brasileira. O caso somente ganhou repercussão na mídia nacional depois que sua morte foi manchete em jornais de todo o mundo.
Da mesma forma, até agora, as notícias sobre o Vale do Javari eram esparsas, ou com algum destaque quando ocorria alguma situação mais grave, logo esquecida. Foi o que aconteceu com o assassinato de Maxciel Pereira dos Santos, colaborador da Fundação Nacional do Índio (Funai), executado com dois tiros na nuca, na frente da esposa, em 2019. O crime deu-se por represália ao seu trabalho em defesa dos indígenas. Depois de três anos de investigações, nenhum suspeito foi indiciado.
Maxciel coordenava a Frente de Proteção Etnoambiental nas operações de combate ao garimpo, à exploração ilegal de madeira, à caça e à pesca ilegais. Some-se a esses crimes graves, combatidos por sua equipe, o tráfico de drogas, que usa a região como rota de escoamento. A rigor, todas essas atividades criminosas formam uma simbiose explosiva, que elimina quem ousa atravessar o seu caminho.
Porém, da mesma forma que aconteceu com Chico Mendes, quando a cobertura do caso pela imprensa fez com que a Amazônia fosse “descoberta” por muitos brasileiros, a desdita de agora tem chamado a atenção local e internacional para a Terra Indígena do Vale do Javari, principalmente pelo fato de uma das vítimas ser um jornalista estrangeiro, colaborador de jornais como o The Guardian (britânico) e o New York Times (americano).
Quando Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República, em 2019, os avanços obtidos para a preservação desses territórios isolados sofreram intensos ataques, com o desmonte de importantes órgãos ambientais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre outros.
O então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chamava essa política de “passar a boiada”, para não deixar pedra sobre pedra.
Acompanhando esse trabalho de demolição, a voz agourenta de Bolsonaro incentivava o garimpo em terras indígenas, estimulava grileiros e atacava funcionários da Funai e do Ibama, que faziam serviço de fiscalização. Além disso, abria as portas do Palácio do Planalto a sujeitos de má catadura, interessados na exploração predatória na região.
Quem ousava questionar esses descaminhos era exonerado de suas funções, como foi o caso do próprio Bruno. Ele perdeu o cargo de coordenador dos Povos Isolados da Funai depois de coordenar uma ação para destruir embarcações de garimpo ilegal. Ou o delegado da Polícia Federal, Alexandre Saraiva, afastado da Superintendência Polícia Federal no Amazonas, depois depois de rejeitar a intervenção de Salles para liberar uma carga de madeira ilegal.
Se essas punições político-administrativas, por si só são dolorosas para servidores que desempenham corretamente o seu trabalho, existe sentença ainda maior para quem perde a proteção estatal, uma pena sem retorno, da qual ninguém se recupera: a morte nas mãos de criminosos.
Por isso, o sangue desses mártires do ambientalismo e da defesa dos povos originários, respinga em todos aqueles que por ação ou omissão, têm responsabilidade sobre essa tragédia. E são muitos. E estão no governo ou já fizeram parte dele. * Talvez nenhum jornal isoladamente tenha condição de fazer uma cobertura intensa e extensa do que acontece nas regiões isoladas da Amazônia. Mas um consórcio de veículos de comunicação — a exemplo do que funciona para atualizar os dados da Covid-19 — teria condições de acompanhar o que acontece no território. A imprensa tem o dever de encontrar um meio de ampliar a sua cobertura sobre a Amazônia.
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