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O caso Ronivaldo e a dupla moral do PT
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

O caso Ronivaldo e a dupla moral do PT

Sem a pressão extraordinária das mulheres do Diretório Estadual do Partido dos Trabalhadores contra os "companheiros" esquerdomachos, o vereador teria escapado da punição mais severa, como saiu ileso do impeachment.

 

“Em reunião tensa que terminou em votação apertadíssima, o diretório estadual do PT no Ceará decidiu expulsar o vereador Ronivaldo Maia, acusado de tentativa de feminicídio no fim de novembro do ano passado.”

Assim começa a matéria “Em meio a pressão de mulheres, PT expulsa vereador Ronivaldo Maia”, a respeito do julgamento do vereador por agressão a uma mulher, que seria sua namorada. O placar foi de 27 votos pela aprovação do relatório da Comissão de Ética do partido, recomendando a expulsão, contra 26 defendendo uma “punição alternativa”. Para manter a pena mais grave foi preciso o voto de minerva do presidente estadual do PT, Antônio Filho. A reportagem, publicada na edição de hoje do O POVO (23/6/2022), é assinada pelos jornalistas Henrique Araújo e Érico Firmo.

Os repórteres anotaram que a reunião transcorreu em meio a “falas exaltadas, gritos e choro”. E que as mulheres, integrantes do diretório estadual do partido, “chegaram a se retirar da sala onde o processo transcorria, em protesto contra as posições manifestadas por correligionários”.

Em sua declaração, Antônio Filho ressalvou que, “nas circunstâncias de hoje”, a punição teria sido a adequada, mas em caso de ficar “provado na Justiça” que o vereador “não teve responsabilidade nesse fato”, o partido poderia “readmitir” Ronivaldo em seus quadros.

Ora, Ronivaldo é réu na Justiça, denunciado pelo Ministério Público, por tentativa de feminicídio. Ainda que ele seja absolvido dessa acusação, restará a agressão que ele praticou contra a mulher. Testemunhas relatam que ele arrancou com seu carro quando a mulher estava agarrada ao limpador de parabrisas, arrastando-a por alguns metros, pondo em risco a integridade física dela.

Esse fato ele nunca negou, e já é violência suficiente para que a expulsão seja a única pena aceitável dentro de seu partido. Se o episódio houvesse ocorrido com um parlamentar de “direita” é certo — como dois e dois são quatro — que alguns dos petistas dispostos a abrandar a punição imposta a Ronivaldo estariam na primeira fileira dos críticos gritando “machismo”.

É de se lembrar que Ronivaldo escapou do impeachment na Câmara dos Vereadores, cujo processo foi vergonhosamente arquivado. Houve um único voto contra o arquivamento, da única mulher no Conselho de Ética da Câmara municipal, a vereadora Cláudia Gomes (PSDB).

O fato é que sem a pressão extraordinária das mulheres do Diretório Estadual petista contra os “companheiros” esquerdomachos, Ronivaldo teria escapado da punição mais severa, como saiu ileso do impeachment.

E qual seria a opinião da deputado federal Luizianne Lins sobre o assunto, militante histórica do feminismo cearense, duas vezes prefeita de Fortaleza? Concorda ou discorda da expulsão de Ronivaldo? Na reunião do diretório estadual do partido, vários militantes próximos a ela ficaram contra a exclusão do vereador.

Outro caso recente revela essa dupla moral do PT, que deveria ensejar um profundo debate no partido, para não progredir dentro da legenda o terrível “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Trata-se dos ataques racistas e homofóbicos que o deputado federal David Miranda vem sofrendo de um setor do petismo, desde que deixou o Psol e filiou-se ao PDT, declarando seu apoio à candidatura presidencial de Ciro Gomes. Não serviu de anteparo nem mesmo a declaração de David dizendo que, caso Ciro não chegue ao segundo turno, ele fará a campanha de Lula “todo vestido de vermelho”.

O fato ensejou um artigo do jornalista Glenn Greenwald, marido de David, no jornal Folha de S.Paulo (22/6/2022), no qual escreve: “Ainda que eu acredite que essa ala mais tóxica e inescrupulosa do PT não represente a maioria do partido, trata-se de um grupo bem organizado, financiado e articulado, que dispõe de vários blogs — e cuja mensagem tem amplo alcance”. Porém, Greenwald lamenta o fato de a direção do PT não desautorizar esse tipo de comportamento.

O jornalista lembra que ele iniciou a série de reportagens da Vaza Jato, que “permitiu que Lula saísse da prisão para se tornar o favorito nas eleições de 2022”, quando “essa facção tinha somente elogios para nós dois (Glenn e David)”.

Na conclusão, a anotação de Glenn Greenwald faz uma advertência: “Um movimento político que visa destruir seus adversários com ataques baseados no ódio de classe, na homofobia e no racismo não pode governar com compaixão, empatia ou integridade. Uma facção política que condena ataques preconceituosos quando voltados contra si, mas que não hesita em empregá-los contra adversários, não é nada se não oportunista e hipócrita”.

É um convite ao pensamento.

Foto do Plínio Bortolotti

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