Fica cada vez mais claro que o ex-presidente Jair Bolsonaro considerava o governo uma espécie de fazenda extrativista, de onde ele poderia arrancar, sem a menor cerimônia, recursos e favores para ele, família e cupinchas.
O caso das joias “personalíssimas”, de R$ 16 milhões, nem é preciso comentar: é de domínio público o descaminho. Favores “menores” também ficam de fora, como o adjutório para alavancar a carreira “empresarial” do filho 04; empréstimo de banco estatal para o 03 comprar uma mansão em Brasília; e negócios de imóveis com dinheiro vivo pelo 02 (se errei os números, relevem).
O caso é que reportagens recentes da Folha de S.Paulo mostram como o dinheiro público (o seu, o meu, o nosso) foi usado também para beneficiar duas categorias que Bolsonaro tinha em mais alta conta e que lhe foram fiéis (nem todos etc., já sei):
PASTORES EVANGÉLICOS E MILITARES
Os militares.
A primeira reportagem: “Generais inflam salários com ajuda de custo que chega a R$ 300 mil” (13/4/2023), mostra como “Com as trocas militares promovidas pelo comando do Exército no início do ano, oficiais-generais receberam ajuda de custo para mudanças de cidade ou ida à reserva que varia de R$ 53 mil a R$ 300 mil”.
Ou seja, além de irem para a reserva, muitos com idade que não passa dos 50 anos, e garantia de salário integral, ainda levam uma bolada como “bônus”.
A reportagem diz que “a dança das cadeiras” é natural na carreira militar, a cada dois anos, mas existem casos de generais que “trocaram de cargo em menos de um ano e acumularam ajudas de custos”.
Esses benefícios já eram pagos antes do governo Bolsonaro, mas foi na gestão dele que o valor recebido pela passagem à reserva foi de R$ 150 mil para R$ 300 mil (aprovado na reforma da Previdência que tramitou no Congresso Nacional).
O Exército argumenta que o benefício seria equivalente ao FGTS. Ocorre que o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi criado para dar ao trabalhador de carteira assinada uma garantia em caso de demissão. Por isso os servidores públicos não têm esse direito, pois estatutários e com estabilidade no emprego.
Os pastores
A segunda matéria, “Ato de Bolsonaro faz sociedade bancar aposentadoria de pastores, diz presidente do Sindifisco” (14/4/2023) traz entrevista com o presidente do sindicato que representa os auditores da Receita Federal, Isac Falcão.
Ele afirma que um "ato do Fisco” ampliou a isenção a pastores evangélicos durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), “usurpou a função do Congresso e não cumpriu os ritos de tramitação interna, representando um prejuízo relevante para os cofres públicos”.
Para Falcão, a interpretação da Receita, à época, fez com que a aposentadoria de pastores evangélicos, que recebem altos salários de suas igrejas, fossem bancados de forma irregular pelos demais trabalhadores.
Resumindo: diferentemente de uma empresa, que paga um percentual do salário para o fundo de aposentadoria do trabalhador (INSS), as igrejas evangélicas são dispensadas dessa cota. “O pano de fundo disso tudo é o seguinte: nós estamos falando é da isenção da cota patronal dessas remunerações”, diz Falcão.
Para ele, a dispensa, à época de Bolsonaro, foi concedida à revelia dos procedimentos normais nos órgão técnicos da Receita Federal, tendo saído do gabinete do então secretário da Receita para o Diário Oficial.
O presidente do Sindifisco classifica o ato como "absurdo": “Isso aí extrapolou a competência da Receita Federal, por um lado, invadindo a competência Legislativa, porque ele modifica o sentido da aplicação da lei, e, por outro lado, invadindo a competência do auditor fiscal de aplicar a legislação tributária”.
O assunto passa por reavaliação interna na Receita Federal, sob suspeita de ter ocorrido de forma atípica, e também está sendo investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU)
O ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes, que assina o ato, nega que tenha havido irregularidades.
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A matéria Generais inflam salário... é assinada pelos jornalistas Cézar Feitosa e Mateus Vargas.
A entrevista Ato de Bolsonaro faz sociedade bancar... é assinada pelo jornalista Ranier Bragon.
(As opiniões emitidas são de minha responsabilidade.)