Logo O POVO+
Patativa do Assaré e os prefeitos sumidos do Ceará
Foto de Plínio Bortolotti
clique para exibir bio do colunista

Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Patativa do Assaré e os prefeitos sumidos do Ceará

Em uma pausa para respirar no fim de semana, no meio de tanta política e tanta guerra, conto o caso do poeta que se vingou de um prefeito fujão com dois poemas

Ao ler a manchete do O POVO "Prefeito de Tianguá é afastado pela Justiça por 'sumiço'" (1.º/11/2023) lembrei de uma história acontecida com Patativa do Assaré, que ouvi do próprio, contada por ele em uma de suas apresentações.

Vejam que além do sumiço do mandatário tianguaense, o prefeito de Limoeiro do Norte também tomou o tal chá, ficando por quase um ano sem aparecer na Prefeitura. Pressionado, tirou licença por 120 dias.

Quem quiser saber a história de ambos “desaparecidos”, é só dar uma busca no O POVO, que acompanha os casos. Aqui eu quero contar a história do Patativa.

O causo eu conto como o causo foi

Seguinte, lá pelo meio do século passado, o poeta procurou o prefeito para tratar de algum problema em sua Assaré, quizila que eu não lembro qual.

Tentou uma meia dúzia de vezes e não conseguia encontrar o prefeito, que nunca estava no local de trabalho.

Patativa resolveu protestar com aquilo que sabia fazer melhor, um poema:

Prefeitura sem prefeito

Nesta vida atroz e dura
Tudo pode acontecer,
Muito breve há de se ver
Prefeito sem prefeitura;
Vejo que alguém me censura
E não fica satisfeito,
Porém, eu ando sem jeito,
Sem esperança e sem fé,
Por ver no meu Assaré.
Prefeitura sem prefeito

Por não ter literatura,
Nunca pude discernir
Se poderá existir
Prefeito sem prefeitura.
Porém, mesmo sem leitura,
Sem nenhum curso ter feito,
Eu conheço do direito
E sem lição de ninguém
Descobri onde é que tem
Prefeitura sem prefeito.

Ainda que alguém me diga
Que viu um mudo falando
E um elefante dançando
No lombo de uma formiga,
Não me causará intriga,
Escutarei com respeito,
Não mentiu este sujeito.
Muito mais barbaridade
É haver numa cidade
Prefeitura sem prefeito.

Não vou teimar com quem diz
Que viu ferro dar azeite,
Um avestruz dando leite
E pedra criar raiz,
Ema apanhar de perdiz
E um rio fora do leito,
Um aleijão sem defeito
E um morto declarar guerra,
Porque vejo em minha terra
Prefeitura sem prefeito.

***

Pelo desacato, em uma época em que prefeito era otoridade incontestável, o alcaide mandou trancafiar Patativa.

Ao sair da cadeia, o poeta viu uma patativa, presa na gaiola, e completou a obra, com fina ironia:

Patativa descontente,
Nessa gaiola cativa,
Embora bem diferente,
Eu também sou patativa.

Linda avezinha pequena,
Temos o mesmo desgosto,
Sofremos a mesma pena,
Embora em sentido oposto.

Meu sofrer e teu penar
Clamam a divina lei.
Tu, presa para cantar,
Eu, preso porque cantei.

 

Foto do Plínio Bortolotti

Fatos e personagens. Desconstruindo a política. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?