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O ludâmbulo e a peleja entre Moraes e Rebelo
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Plínio Bortolotti integra o Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

O ludâmbulo e a peleja entre Moraes e Rebelo

Para Aldo Rebelo, ao dizer que suas tropas estavam "à disposição" para impedir a posse de Lula, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, usou apenas uma "força de expressão"
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MINISTRO retirou a taxação do risco sacado por entender que não se trata de operação de crédito (Foto: Nelson Jr/SCO/STF)
Foto: Nelson Jr/SCO/STF MINISTRO retirou a taxação do risco sacado por entender que não se trata de operação de crédito

O ex-deputado, ex-ministro e ex-comunista Aldo Rebelo, atualmente defensor de bolsonaristas golpistas — com as desculpas pela rima e pela redundância —, arreliou-se com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Suspeito que o motivo do entrevero não tenha sido explicado em sua completude pela mídia, escrita, falada e televisada — e tudo isso junto nas redes sociais.

Rebelo estava perante a Suprema Corte como testemunha de defesa do almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha. Garnier é aquele que estava disposto a pôr suas tropas “à disposição” de Bolsonaro para desfechar um golpe de Estado, segundo relato do ex-comandante da Aeronáutica, Batista Jr.

A pendenga como o ministro Alexandre de Moraes iniciou-se quando Rebelo foi perguntado sobre a reunião entre Bolsonaro e os então chefes das três forças. Na tentativa de defender Garnier, Rebelo respondeu que, “na língua portuguesa”, existe o que se chama de “força de expressão” e a fala de Garnier não podia ser interpretada literalmente. E passou a lecionar sobre semântica.

Moraes interveio perguntando se Rebelo estava presente à reunião.
Não estava.

O ministro devolveu: Então, atenha-se aos fatos, o sr. não tem condições de avaliar a língua portuguesa naquele momento.

Rebelo (irritado): A minha apreciação da língua portuguesa é minha e não admito censura.

Aqui é que está o busílis da questão. Moraes mexeu em um vespeiro, pois Rebelo é militante fundamentalista da integralidade da língua de Camões. Quando deputado, apresentou um projeto de lei para banir estrangeirismo de documentos oficiais, rótulos e propagandas, com punição a quem não se enquadrasse nas normas. A parte mais interessante é a que atribuía à Academia Brasileira de Letras (ABL) a criação de novos termos, quando não fosse possível uma tradução para o português.

A revolta de Rebelo deu-se, suponho, porque ele não ia admitir que o ministro, relator do inquérito das Fake News — e não das “notícias falsas” —, lhe desse lições sobre a sobre a língua portuguesa, que ele quer manter imaculada.

Não é a primeira vez que alguém tenta substituir à força estrangeirismo da língua portuguesa. No fim do século XIX, o professor Antônio de Castro Lopes , incomodado com a quantidade de termos em francês e inglês em circulação, passou a inventar palavras para sjubstituí-las, a partir da raiz latina, como:

"Ludopédio" (futebol), em lugar de "football" .

"Cinesíforo" (motorista), para substituir "chauffeur".

A grande maioria das proposições de Castro Lopes não pegou, algumas dormem sono profundo em antigos dicionários.

A propósito, segundo o dr, Castro Lopes, este repórter que vos escreve deveria, seria ser nomeado como “alvisssareiro”, E quem viesse turistar nesta terra de sol, seria classificado como “ludâmbulo”.

A questão é que as línguas, todas, sofrem influência de outras, e não é à força que se vai sustar a sua evolução ou o modo de usá-la pelos falantes. Isso é apenas um sonho reacionário, desprovido de razão, como a tentativa de golpe que, para Rebelo, foi apenas “força de expressão”.
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Veja mais alguns exemplos da lavra do Castro Lopes:

abajur s.m. fr. lucivelo s.m. bras. [de luc(i) + lat. velo, "véu"

anúncio s.m. lat. preconício s.m. bras. [do lat. praeconizare, "pregoeiro público"]

avalanche s.f. fr. runimol s.m. bras. [do lat. runcinatu, "aplainado"]

boulevard s.m. fr. calçada s.f. bras. [do lat. calciata, "pedra calcária"]

claque s.m. fr. venaplauso s.m. bras. [do lat. vena, "vender", + aplauso]

début s.m. fr. estréia s.f. bras. [do lat. strena]

futebol s.m. ingl. ludopédio s.f. bras. [do lat. ludo, "jogo" + pedio, "pé"]

massagem s.m.fr. premagem s.f. bras. [de premar, "fazer pressão"]

menu s.m fr. cardápio s.m. bras. [do lat. charta, "papel", + dapum. de dapes, "iguarias"]

piquenique s.m. ingl. convescote s.m. bras. [de conv(ívio), "banquete", + escote.]

repórter s.m. ingl. alvissareiro s.m. bras. [de alvíssaras, "notícias", + -eiro.]

turista s.m. ingl. ludâmbulo s.m. bras. [de lud(i), "divertimento" + -âmbulo]

Chofer - Cinesíforo

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PS. As informações sobre Castro Lopes e a lista de palavras são de autoria do professor Sérgio Rodrigues, em uma coluna assinada na revista Veja, em 26/4/2011,

 

 

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