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"Deixem as mulheres amar à vontade"
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Plínio Bortolotti integra o Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Deixem as mulheres amar à vontade"

Passados mais de 100 anos, tragicamente, o apelo ainda não foi ouvido
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Envergonhadamente, confesso que escrevi este texto após um alerta que minha colega Révinna Nobre fez no grupo de colunistas do jornal.

Disse ela que sentia a falta — mas que não era surpreendente —, a ausência de colunistas homens no debate sobre a epidemia de agressões e feminicídios que tristemente se abate sobre as mulheres brasileiras.

Somente então pude me lembrar de um artigo que escrevi, quando a Lei Maria da penha estava em debate, a partir de crônicas de Lima Barreto, um dos maiores escritores do Brasil. Em seus textos, Barreto traça um rico panorama dos costumes do Rio de janeiro do início do século passado.

Na crônica "Mais uma vez" (título que dá a ideia da frequência com que as mulheres eram mortas), ele comenta um desses crimes e critica a "sociedade hipócrita" que aceita "a barbaridade desse nosso costume de achar justo que o marido mate a mulher adúltera, ou que se crê tal"

Barreto espanta-se que até um amigo dele, um "liberal, socialista, quase anarquista" se ponha a defender o assassino.

Lima Barreto, um homem negro "com alma de bandido tímido", estava à frente de seu tempo, pois combatia a violência contra a mulher com a arma que ele melhor saiba manejar: uma pena.

Em "Não as matem" (janeiro de 1915), depois de listar vários casos de assassinatos de mulheres, Barreto escreve: "Eles (os homens) se julgam com o direito de impor o seu amor ou seu desejo a quem não os quer. Não sei se se julgam diferentes dos ladrões, à mão aramada; mas o caso é que esses nos arrebatam senão o dinheiro, enquanto esses noivos assassinos querem tudo o que é mais sagrado no outro, de pistola na mão".

Segue: "Todos os experimentadores e observadores dos fatos morais têm mostrado a inanidade de generalizar a eternidade do amor. Pode existir, existe, mas excepcionalmente, e exigi-la na lei ou a cano de revólver é um absurdo tão grande como querer impedir que o sol varie a hora de seu aparecimento".

E conclui:

"Deixem as mulheres amar à vontade”.
“Não as matem, pelo amor de Deus".

Passados mais de 100 anos, tragicamente, o apelo ainda não foi ouvido.

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