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Artigo 142 como verniz de legalidade para golpistas
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Artigo 142 como verniz de legalidade para golpistas

No começo era apenas uma modinha entre a escumalha bolsonariana defensora de um “novo AI-5” e da implantação de uma ditadura no Brasil, tendo como “duce” Jair Bolsonaro. Depois que o jurista Ives Gandra fez uma interpretação, digamos, criativa do artigo 142 da Constituição, a coisa tomou mais força e até adeptos mais civilizados do governo aderiram a essa leitura distorcida. O golpe ganhou assim um verniz de legalidade.

Para Gandra (Conjur 28/5/2020), se um dos poderes sentir-se “atropelado” por outro “poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, NAQUELE PONTO, A LEI E A ORDEM, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante”. (Maiúsculas do autor.)

Mas o que diz o artigo 142 da Constituição? O seguinte: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Com todo o respeito ao professor Gandra, é preciso um certo contorcionismo hermenêutico para fazer crer que esse artigo investe as Forças Armadas de um encargo “moderador”, como ele defende, para agir em caso de suposta invasão de competência de um poder em outro.

Parece óbvio, como já escreveu o jurista Lenio Luiz Streck, que o artigo 142 trata da autorização para as FFAA agirem também na segurança pública, quando convocadas. “Nada mais do que isso!” (Conjur 21/5/2020.)

Entretanto, as ideias do professor Gandra estão servindo para seguidores fanáticos de Bolsonaro defenderem uma ditadura “com Bolsonaro no poder”, apesar de o jurista insistir que se trata de intervenção em casos pontuais, nada mais do que isso.

Porém os fanáticos não deixam de ter razão, pois entregar o “poder moderador” (que não existe em nenhuma democracia do mundo) a uma força armada, seria convidá-la a exceder sua competência. Em 1964 também foi prometido que o golpe militar seria breve, mas os generais gostaram do poder e ficaram por mais de 20 anos . Gandra talvez se lembre disso.

Além do mais, imaginem se, a cada vez que um poder se sentisse “invadido” recorresse ao comandante das Forças Armadas para “moderar” o problema, haveria uma confusão dos diabos. Quem definiria o conceito de “invasão de competência”? Militar é para ficar no quartel e não para se meter no "varejo da política", como advertiu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso.

Segundo ensina o jurista Wálter Maierovitch (entrevista Uol TV), a Jurisdição, “dizer o direito”, em caso de conflitos cabe ao Judiciário. Ele dá um exemplo: é prerrogativa do presidente nomear o diretor da Polícia Federal? Sim. Mas também é licito correr um processo no STF, apontando algum tipo de desvio, para contestar a nomeação. “Se essa liminar foi bem dada ou mal data, é problema do Supremo na sua composição plena”.

De novo o jurista Lenio Streck: “A interpretação dada por Ives Gandra ao artigo 142 é, sendo um pouco eufemista e generoso com o estimado professor paulista, muitíssimo perigosa. Para ele, as forças armadas poderiam intervir para restaurar a ordem democrática”.

E acrescenta: “Não podemos, no Direito, agir como o personagem Humpty Dumpty (do livro Alice Através do Espelho) e dizer: ‘Eu dou ao artigo 142 da CF o sentido que quero’”. (Grifos do autor.)

 

Foto do Plínio Bortolotti

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