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O Sobrado da Abolição - Parte II
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Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.

O Sobrado da Abolição - Parte II

Tipo Crônica

Em "Prelúdios Poéticos" (1856), especialmente em "Lembranças da Partida", o quadro pintado da serra da Aratanha, "mãe" onde aos seus pés deita indolente a vila da Pacatuba, é idílico. Juvenal Galeno (1836-1931), ainda na Guanabara, às vésperas de tomar o vapor para o Ceará, se desmancha em saudades quase insuportáveis de seu torrão, de sua família e amigos. Romântico obstinado, para ele, no Rio não havia rival que se comparasse à amada terra e a suas delícias, laranjais, luares, cascatas, canaviais, trovadores, cafezais...

Entretanto, é na leitura de "Dia de Feira", em "Cenas Populares" (1871), que ele, não em poesia, mas em prosa, descreve a história e o cenário de sua vila: "Era ao alvorecer de um domingo, na vila da Pacatuba... Agrícola e florescente, a Pacatuba é uma linda dona, que sabe distribuir as horas de seu domingo com as preces, os seus arranjos caseiros, e as teteias de seus enfeites. [...] E certa de uma boa feira, a Pacatuba varre as suas lojas, banha-se em suas vertentes, alisa os longos cabelos, e veste-se do melhor modo para receber os fregueses, os obreiros de seu engrandecimento".

Da pequena e serrana terra, onde plantou a maior parte de sua vida, Galeno não sabia, mas revolucionava a literatura de seu estado, sendo, aos 13 anos, um dos criadores do "Sempreviva", pioneiro do jornalismo puramente literário no Ceará. Adolescente e estudante do Liceu, em Fortaleza, fundaria o "Mocidade Cearense", pioneiro da imprensa estudantil. Em breve passagem pelo Rio de Janeiro, trouxe "Prelúdios Poéticos", obra marco do Romantismo cearense. Passou a colaborar com jornais de Pernambuco e no Ceará, além de na famosa "Revista Popular", depois no "Jornal das Famílias", ambos editados pelo livreiro Louis Garnier (RJ). Escreveu "Quem com Ferro Fere, com Ferro será Ferido" (1859), primeira peça escrita e encenada no Ceará. Foi um dos intelectuais que recebeu e acompanhou a Comissão Científica Exploradora que, em Pacatuba, hospedou-se no sobrado do capitão Henrique Gonçalves da Justa - principalmente o botânico Freire Alemão e a maioria do grupo, pois Gonçalves Dias muitas vezes preferia instalar-se no sítio Boa Vista, da família de Galeno, para participar de "jogos de prenda". Por conta de um almoço com a Comissão, Galeno faltaria ao desfile da Guarda Nacional, que integrava, sendo preso, e, por vingança a seu comandante João Antônio Machado, lançou, às pressas, "A Machadada: poema fantástico" (1860), a primeira obra literária impressa no estado. Por influência literária do amigo Gonçalves Dias, escreveu "A Porangaba: lenda americana" (1861). Naqueles tempos, foi um dos primeiros poetas abolicionistas do Brasil. Publicou "Lendas e Canções Populares" (1865), que, apesar do estilo romântico, tem forte componente e crítica social. Em campanha contra a palmatória, a sua "Canções da Escola" (1871) inaugurou aqui a literatura infantojuvenil. Naquele mesmo ano, nos trouxe "Cenas Populares", o primeiro livro de contos cearense, nos apresentando também o nosso primeiro autor ambientalista. Em 1872, como pioneiro das autopublicações, de sua Tipografia do Comércio imprimiria "Lira Cearense". Foi um dos fundadores do Clube Literário (1886), do Instituto do Ceará (1887) e do Centro Literário (1894), e padeiro-mor honorário da Padaria Espiritual (1895). Em 1891, publicou "Folhetins de Silvanus" (poesia e prosa), uma seleção de textos que escreveu sob pseudônimo no jornal "A Constituição". Nesse período, passou a ter seus versos musicados por Alberto Nepomuceno - e depois por Camargo Guarnieri - e executados nacional e internacionalmente.

Morreria Galeno, em 7 de março de 1931, aos 95 anos incompletos, deixando um legado inestimável, uma história que, ainda e aos poucos, está sendo contada e revelada, história esta que cruzou os trilhos e veredas de Pacatuba e da Aratanha. (Continua daqui a 15 dias)

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