
Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.
Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.
Aos 11 anos (1978) conheci a praça do Ferreira. Era um espaço bem diferenciado do que costumava chamar por "praça". Seu projeto era tomado de canteiros geométricos elevados e enegrecidos, nos quais havia uma variedade grande de plantas e árvores, o que produzia, no seu lado esquerdo, um efeito sombrio. Entre esses canteiros, havia passagens com bancos - muitas vezes repletos de sapateiros, engraxates, baleiros, bicheiros, desocupados e profissionais do sexo - que permitiam a grande circulação de pessoas. No lado direito da praça, encontrávamos - acima da Galeria Antônio Bandeira - uma pequena fonte com peixes ao lado da efígie do niteroiense que emprestou o seu nome à praça: Antônio Rodrigues Ferreira, o boticário e político, reconhecido benfeitor da cidade.
Na época, não sabia, mas quando ela foi inaugurada, em 1968, gerou grande indignação da população habituada com o formato anterior, que existia apenas há cerca de 35 anos, pois, concreta e literariamente, a praça do Ferreira nunca teve um "rosto" para chamar de "nosso". Apenas no século 20, foram seis as reformas, com maiores ou menores intervenções. Convenhamos: em Fortaleza, a tradição maior é não ter tradição. Fortalezense gosta mesmo é da novidade... Por isso que patrimônio aqui não "dá match".
A última grande reforma da praça do Ferreira se deu no segundo semestre de 1991, na gestão do prefeito Juraci Magalhães, conhecido como "Juju" ou "Véi Macho", eleito involuntariamente por Ciro Gomes - que depois tentou removê-lo a todo custo e cachaça, mas fracassou. O projeto, que dura até hoje, é de Delberg Ponce de Leon e Fausto Nilo.
Durante essa reforma, houve uma imensa comoção popular. A praça cercada por tapumes não permitia que soubéssemos o que viria. Porém, que surpresa, ao serem retirados, a visão daquela praça era deslumbrante. Víamos uma Coluna da Hora - não tinha o enlevo da original em seus 13 metros, mas... -, cercada por uma fonte luminosa, o poço original do século 19 - que disseram ter sido encontrado por acidente, o que não é verdade -, a efígie do boticário, os cinco "quiosques" - representando os dos cafés e o da energia, anteriores à reforma de 1920 -, a placa indicativa do "Banco da Opinião Pública" de Demócrito Rocha - hoje, desaparecida - e até um "Cajueiro da Mentira" de mentirinha, entre outras representações simbólicas das épocas áureas do antigo Beco do Cotovelo.
Por meio de articulação com a Prefeitura e com ação de OSCs, o entorno também colaborou. Algumas casas tiraram os tapumes de suas fachadas e as pintou, revelando a arquitetura de épocas: Art Noveau e Art Decó. Outra menção de época: o Shopping Lisbonense, onde anteriormente havia a famosa padaria. Surgiram novos cafés e lanchonetes, como o L'Escale, com o seu famoso hot-dog. O melhor, contudo, foi o retorno daqueles que, saudosos, queriam reviver os tempos da velha-nova praça: "Ela voltou!", alguns diziam, como se com ela aqueles tempos de juventude também pudessem voltar.
Em paletós, gravatas, abotoaduras douradas, medalhas de heroísmo de batalhas quase esquecidas, podíamos flagrá-los em olhos marejados, encobertos com verdes ray-bans, a sentar-se enfileirados em bancos extensos de madeira - por algum tempo denominados "bancos dos paus-moles" - a divisar na alma os cines Moderno e o Majestic - também bar e restaurante -, a Confeitaria Crystal, o Café Globo, o Abrigo Central, o Mundico do Pega-Pinto... Por outro lado, a Leão do Sul, o São Luiz, as farmácias Oswaldo Cruz e a Pasteur, o Clube do Advogado, o Excelsior, o Palacete Ceará, o Sobrado do Pastor... alguns ainda estavam por lá. Também, claro, deveriam estar à espera de ver as normalistas, na frequente peleja das saias plissadas contra o ousado vento da praia, como legítimas Marilyns cearenses, a ouvir deles: "Segura os cabelos"...
(continua)
A soma da Literatura, das histórias cotidianas e a paixão pela escrita. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.