
Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.
Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.
Era de dormir-se malacostado, carregado de pesadelos. Ainda havia a lata de leite do bebê... Mas por que só à noite ela se dava ao fim? Pela manhã, entre silêncios de casal, nada a apetitá-lo.
Ia, como se à forca, ao trabalho, emprego ruim, a não dar conta das contas do mês. À condução, estendia de casa os passos diários de rotina. Uma sem vontade de ir-se e de chegar-se.
As pessoas: as mesmas desconhecidas em bons dias frios de quase mudos ou de ironia. Bons dias ali impossíveis pareciam. Coação demais. Reconhecimento de menos. Queria era morrer, por ali mesmo, naquele instante devoto ao primeiro levantar da cadeira, como vivo protesto - no caso, mais para "morto" -, mas quede a coragem?
Do birô, olhava pela janela às costas da única mulher da sala, as árvores, o céu, o espírito escravizado pelo néscio emprego, atestado da incompetência do destino, o soldo que não pagava nem de longe toda sua vida desperdiçada em ouvidos discursos bestas de chefes. Estes também míseros coitados, mas com gravata, mesmo que barata de armarinho. Decide: Não morre, por ora, mas vai-se!
Tinha tantos chefes, tantos, que pediria sua demissão ao primeiro que lhe passasse: "Quero sair! Quero sair daqui!" Fez.
O tal chefe o olhou com estranheza: "Quer mesmo?" Coçou a careca. "Ninguém nunca pede para sair..." Mas ele pediu. No laxo da gravata, o homem prometera "procurar saber como fazer para demiti-lo, viu? Mas agora não posso." Nem depois. Não o fez. Não lembrou.
Por ali ficando, ele estava numa agonia só. Falou com outro chefe e com outro e outra e outro acima do outro... e nada! "Por que não ficava por ali? Para que tanta pressa? Estava bom assim, não?!"
Seus colegas, muitos e iguais, postos ante seus computadores, tão calados que pareciam felizes, ninguém de saber o que realmente faziam o dia inteiro.
O relógio ao lado os vigiava, não permitindo sequer um minuto de gota de suor a mais do que o acordado. Nunca pediam para sair. "Por que a pressa?". Ele não fazia mais nada, à espera do qualquer chefe a chegar com o bilhete azul da mais pura liberdade, que jamais lhe viria.
Voltou para casa. A mulher assistia à TV - na boca o sorriso de retrato antigo. Ao seu lado, o bebê dormia um descanso para desassossegar-se apenas à hora mais tarde. Sem forças, ele tombou entregue e frouxo na cama que abria uma bocarra cheia de dentes de pregos a mastigá-lo pouco a pouco até regurgitá-lo ante outra manhã de trabalho.
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