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A pedra das preocupações e as eleições em Fortaleza
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

A pedra das preocupações e as eleições em Fortaleza

Ao encontrar um souvenir perdido que uma amiga me trouxe de Dublin, lembrei-me das preocupações que as eleições municipais despertam em mim

Uma amiga me trouxe há alguns anos da Irlanda uma Pedra da Preocupação. Ela foi a Dublin para encontrar – num evento internacional – pesquisadores de várias partes do mundo que estudavam folclore e lendas populares. Ali, ela descobriu que Jane Francesca Agnes, mãe do escritor Oscar Wilde, foi uma importante pesquisadora de contos populares irlandeses e encontrou, também, a pedra. Foi muito divertido receber o presente.

Estávamos conversando sobre alguma coisa que, naquele momento, me causava muita preocupação. “Ah”, ela disse, “pois eu te trouxe algo que pode ajudar. É só você friccionar bem o polegar na marca indicada. E Pronto”.

A minha é uma pedra oval de mármore Connemara cor de musgo que, por sinal, andava perdida em alguma gaveta. Por acaso, a encontrei no último fim de semana enquanto esvaziava um armário de coisas imprestáveis.

Olhei a pedra intacta, a marca do polegar à minha espera. Pensei, imediatamente, que ela poderá ser muito útil neste período eleitoral. Brincadeira à parte, um processo eleitoral, hoje, me enche de preocupações que nem suspeitava.

Desde 2018, no entanto, quando ficou claro que é possível impulsionar a eleição de alguém com base em desinformação pesada e mentiras contadas pelas mídias sociais, vi se transformar em filme de terror de quinta categoria o que me pareceria, já há algum tempo, uma ficção de mau gosto criada por estratégias duvidosas de marketing.

Além de conhecer os candidatos, ouvi-los, ler suas propostas, acompanhar a movimentação de cada um deles em debates, sabemos que há muitas coisas acontecendo longe dos nossos olhos e ouvidos com as quais precisamos nos preocupar, porque há também muitas coisas em risco nesse jogo eleitoral.

A primeira delas é o tipo de cidade que estamos construindo a partir de vários pontos de vista. Um deles é a extrema desigualdade que ronda Fortaleza. Um levantamento realizado para o jornal Folha de S. Paulo, pela FGV-Social, a partir de dados da Receita Federal, revela que apenas 14,2% da população de Fortaleza declara imposto de renda. Ou seja, 85,8% dos habitantes da cidade são pessoas que têm verdadeira necessidade do poder público em áreas cruciais como educação, saúde, transporte público, cultura.

Isso quer dizer que o presente desta cidade depende dos recursos utilizados, principalmente, para formar de modo contínuo novas gerações de jovens que vão enfrentar o mercado de trabalho e, em pouco tempo, deverão cuidar da própria vida.

Hoje, me preocupa muito como o poder municipal desenvolve projetos que levam em conta públicos específicos como, por exemplo, as mulheres. É a grande maioria das mulheres desse grupo homogêneo de quase 86% dos habitantes de Fortaleza que controla a renda doméstica, que leva os filhos para a escola, que cuida da saúde da família, que trabalha em quantos turnos sejam necessários para dar conta de todas essas atribuições.

Por isso, não é mais possível ouvir quieta promessas vazias que não levam em conta as pessoas, de forma verdadeira, e que não tenham uma essência pautada no bem estar social dos cidadãos.

É na cidade onde tudo acontece. Ela é primeira referência de uma pessoa. É um tipo de marca que a acompanha para sempre. A cidade é quase uma segunda alma, dada a capacidade, inclusive, de moldar comportamentos. Cada cidade tem uma cor própria. Cada uma delas dispõe de uma gramática particular e, de forma singular, experimentamos nela os dias e as noites. Habitamos na cidade, mas ela também nos habita.

Nesse período em que nossas atenções estarão voltadas para eleger um sucessor, é importante pensar na cidade como um duplo de cada um de nós. E sabemos que um duplo é mais que um par. O par é ocasional. O duplo está umbilicalmente colado nas nossas entranhas.

Foto do Regina Ribeiro

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