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Karol Conká e a militância negra
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Karol Conká e a militância negra

Tipo Opinião
Karol Conkar (Foto: DIVULGAÇÃO)
Foto: DIVULGAÇÃO Karol Conkar

“Se é pra tombar, tombei”. A rapper, atriz, compositora e atual BBB-21 jamais poderia imaginar que a letra da sua música “Tombei” iria convergir tanto com a situação que se encontra desde que começou a desconstruir sua carreira aqui fora e se tornar um completo estranhamento na casa para onde boa parte dos brasileiros está olhando.

Mas, antes de continuar esta conversa, gostaria de concordar com o escritor anglo-indiano, Salman Rushdie, que lança em abril próximo, no Brasil, o livro Quixote. Nesta nova obra, o personagem que enlouqueceu lendo romance de cavalaria vive em pleno século 21. O Quixote contemporâneo será viciado em reality show, algo que segundo Rushdie, com certeza, “estraga o cérebro”.

Feito esse parêntese, vamos ao ponto que venho pensando há dias. Escuto e leio coisas sobre as maldades feitas e ditas pela Karol Conká, sempre com a observação de que ele é “negra”. Essa constatação é atravessada por muitos pontos de interrogação.

Karol Conká, rapper é alçada a vilã no BBB-21
Foto: DIVULGAÇÃO
Karol Conká, rapper é alçada a vilã no BBB-21

Ou seja, se fosse branca, estaria tudo bem, por quê? Porque os observadores tendem a considerar que das pessoas brancas se espera tudo o que sai da Karol Conká? Ou o fato de ser negra quer dizer, para algumas pessoas, que ela seria dona de uma ética intrínseca ou algum tipo de empatia genética? Ou será que por ser negra, Conká não estaria desmistificando e assustando alguns da militância negra que, de forma ingênua, desumanizam as pessoas negras devido ao passado histórico da escravização, destituindo-os da natureza e maldade humanas?

No último domingo, em entrevista à "Folha de S. Paulo", o humorista do Porta dos Fundos, Antônio Tabet, afirmou que não entendeu até agora a estratégia do programa em colocar tantos negros juntos neste BBB-21. E que o comportamento de alguns negros na casa está prejudicando uma militância negra que demorou muito tempo para se erguer.

Ou seja, Karol Conká representa hoje uma antítese de tudo o que se imagina poder vir de uma negra com a história dela, as composições dela, seu trabalho, apresentações, e a tudo que ela dá voz. No jogo do BBB-21, a rapper representa uma pessoa mesquinha, manipuladora, xenófoba, assediadora, sem empatia, preconceituosa, grosseira, prepotente e briguenta, que se mostra quase sem aptidão para estar em grupo.

Karol Conká sairá da casa do BBB e já pode ir direto para a galeria do jornalista Sérgio Camargo na Fundação Cultural Palmares. Aqui fora, vai tomar um susto quando descobrir que sua vida corre o risco de nunca mais ser a mesma, que perdeu seguidores, contratos, participações em shows. Ou se era pra tombar, "tombou".

É preciso lembrar que as teorias sociais que abordam hoje as questões em torno da negritude estão centradas na construção de um discurso de como se vê o negro nas múltiplas esferas sociais e do trabalho num processo histórico. E como esse processo promoveu o chamado racismo estrutural que inferioriza e tenta imobilizar os negros econômica e socialmente. As questões teóricas abarcam o campo ético apenas numa perspectiva do enfrentamento do racismo pela sociedade, não no âmbito individual da conduta da pessoa negra.

Por isso, não concordo com a opinião do humorista Antônio Tabet de que os negros presentes na casa do BBB-21 comprometam as discussões em torno no negro no Brasil. O comportamento da Karol Conká é parte integrante do sistema social, político e econômico que todos nós compartilhamos, negros e brancos. É nesse sistema que o racismo e toda sorte de preconceito são gestados e reproduzidos sem deixar de lado, inclusive, as pessoas negras.

De acordo como o filósofo Silvio Almeida “o racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea”. Observem como Karol Conká tratou o brother Lucas Barbosa e todos os demais desafetos da casa e verifiquem se não há consonância com o pensamento de Almeida.

Djamila Ribeiro, autora dos livros Pequeno manual antirracista e Lugar de fala, entre outros
Foto: DIVULGAÇÃO
Djamila Ribeiro, autora dos livros Pequeno manual antirracista e Lugar de fala, entre outros

No livro de Djamila Ribeiro, “Pequeno manual antirracista”, a filósofa aborda a produção cultural e a presença negra no audiovisual, na literatura, nos jornais e suas representações. Para ela, ainda é necessário lutar para que negros e negras não sejam feridas em sua “humanidade”. O pressuposto da filósofa feminista está correto e o cineasta e pesquisador Joel Zito Araújo foi um dos pioneiros a estudar a representação dos negros da TV brasileira.

O fato da rapper Karol Conká ser negra e vilã num suposto show de realidade não invalida o tanto que se avançou nas reflexões sobre os negros no Brasil. Até porque, mais uma vez concordando com Salman Rushdie, os reality shows podem ser tudo menos “realidade”.

E para concluir, observem o trecho da música “Poder”, de Conká: “É o poder, o mundo é de quem faz. Realidade assusta todos tão normais. Viu? Falei! Depois não vem dizer que eu não avisei”.
A negra bem sucedida, empoderada, talentosa é má, preconceituosa, xenófoga. E esta parece ser a realidade mais difícil de aceitar. No entanto, é a mais simples.

De resto, o racismo no Brasil precisa ser combatido diariamente.



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