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A contagem
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

A contagem

Tipo Opinião

Mais uma vez reli "Diante da dor dos outros", de Susan Sontag. É um ensaio curto, no qual a filósofa trata o tema da empatia a partir do polêmico livro "Três Guinéis", de Virginia Woolf, publicado durante a guerra civil espanhola. A escritora inglesa, ao responder à pergunta de um advogado sobre a guerra, a partir de uma foto que mostrava mortos após um ataque, afirma que há uma diferença abissal entre os sentimentos dos homens e das mulheres em relação àquela imagem. Porque as guerras eram feitas por homens, defendia. Então, entre eles não havia de ter uma plena concordância.

O livro foi mal recebido. Fora a primeira vez que alguém havia afirmado que as guerras são máquinas construídas pelo masculino. Passado todo esse tempo, o texto ressoa até hoje. A gente sabe que muitas mulheres estiveram nas engrenagens de muitos conflitos bélicos, mas, certamente, a disposição para a guerra é algo que escapa à grande maioria das mulheres.

O texto me veio mais uma vez à mente, porque temos uma máquina de guerra governando o Brasil. Em pleno pico de epidemia, Jair Bolsonaro decide sair país afora fazendo vistoria e assinando retomada de obras de estradas. Não é simbólico que um governo que não sabe para onde vai tenha tanto zelo por esse tipo de construção?

Mas é a fala de Bolsonaro que se assemelha a um tanque destruidor. Em novembro do ano passado, ele afirmou que o homem do campo não é “frouxo”. Não tem medo de Covid-19. Não para de trabalhar. Hoje, não só as capitais, mas o interior das cidades amarga a pandemia. Há uns dias, ele disse ser “imbroxável” na política. Anteontem, afirmou que o Brasil precisa parar de “mimimi e de ficar chorando” pelos mortos na pandemia.

Há dias que eu penso que definitivamente morrer não sensibiliza mais ninguém. Se Virgínia considerava que uma imagem da guerra não movia os homens a pará-la, os milhares de mortos da Covid não sensibilizam Bolsonaro nem muitos dos seus apoiadores a querer cessar essa matança. Ao contrário, qualquer sensibilidade é coisa frouxo, chororô, falta de virilidade.

Coragem significa enfrentar o vírus de peito aberto, sem máscara, multiplicando o contágio. Se morrer, enterra. Mais um menos um, não faz diferença. Bolsonaro age como se estivesse numa guerra contra seu próprio país. Do outro lado, ficam aqueles e aquelas responsáveis pela contagem. Dos mortos.

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