
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
O discurso de muita gente que se autoproclama de direita no Brasil e nos Estados Unidos quanto ao racismo é que a esquerda é responsável por disseminar o ódio racial – Trump falou isso durante sua campanha de reeleição à presidência inúmeras vezes – e culpabilizar as novas gerações pela escravização de pessoas negras no passado, ao propor políticas de reparação contra as consequências desse processo, incluindo o racismo estrutural, nestes países.
Há algumas inverdades na defesa desses pressupostos. A primeira é que não se trata de ódio, mas de fatos. Houve uma população negra escravizada como engrenagem de um sistema econômico com impacto na formação tanto dos EUA quanto do Brasil. A outra é a ideia da culpabilização individual e ética pelo racismo como consequência desse processo histórico. É claro que não somos responsáveis individualmente pelo Brasil ter tido pessoas escravizadas que serviram a uma elite econômica que moldou não apenas a distribuição de riqueza no País, mas também suas relações sociais.
No entanto, a escravização de pessoas negras faz parte da nossa história, infelizmente, com consequências graves para o grupo de negros e pardos inseridos neste processo histórico, que recebeu inúmeras garantias do Estado. Basta lembrar que uma das principais discussões no Brasil durante as lutas abolicionistas era como o Estado brasileiro iria indenizar os proprietários dos escravizados que se tornassem livres. Ou seja, nada mais justo do que o Estado contemporâneo e seu povo de forma coletiva e consciente lancem mão de políticas públicas que possam corrigir erros passados no trato com pessoas escravizadas e seus descendentes.
Um exemplo dessa responsabilidade coletiva veio de Harvard, nos Estados Unidos. Semana passada, a Universidade liberou um relatório de 134 páginas contendo informações sobre suas relações com a escravização nos Estados Unidos e anunciou a criação de um fundo de US$ 100 milhões que serão usados para corrigir erros desse passado.
No relatório, a instituição admite que por 137 anos manteve “homens e mulheres escravizados que serviram a presidentes, professores, alimentaram e cuidaram de estudantes de Harvard”. A Universidade também admite que compactuou com pesquisas que propagaram informações erradas sobre a suposta inferioridade de pessoas negras, como os estudos, muito difundidos, do naturalista e professor de Harvard, Louis Agassiz, no século XIX. Aceitou que mesmo após a guerra civil e a integração racial, Harvard manteve sua “linha de cores” e chegou a expulsar três alunos negros matriculados na Faculdade de Medicina, em 1850, por pressão de alunos brancos. No ano de 1960, Harvard reconheceu que havia apenas 9 homens negros entre os 1212 selecionados.
Sem nenhuma dúvida, o exemplo tardio de Harvard deixa claro que é possível olhar para o seu próprio passado sem culpabilizar o presente, mas, sim, assumir a responsabilidade que lhe cabe enquanto instituição que pode promover a justiça racial a partir da correção dos seus erros. Se uma universidade pode agir assim, imagina um País. Ah, não se pode dizer que Harvard é coalhada de um bando de esquerdistas.
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