Logo O POVO+
Uma "Merzbau" escondida na Sucata Chico Alves
Foto de Regina Ribeiro
clique para exibir bio do colunista

Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Uma "Merzbau" escondida na Sucata Chico Alves

Por acaso, em 2023 comemora-se o aniversário de 100 anos da primeira instalação artística, segundo alguns historiadores da arte contemporânea. O artista alemão Kurt Schiwitters revelou sua instalação espacial, que chamou depois de "Merzbau".
Tipo Análise
Reprodução de uma Merzbau de Kurt Schwitters (Foto: widipedia)
Foto: widipedia Reprodução de uma Merzbau de Kurt Schwitters

.

O nome não era estranho. Meu pai sempre teve carro de estimação. Via de regra era um modelo antigo que ele adorava montar e desmontar como se fosse um brinquedo, o que deixava minha mãe possessa com os gastos que os “carros velhos” do meu pai proporcionavam. Enfim, Chico da Sucata era alguém de quem eu já tinha ouvido falar.

Talvez por isso, algo estranho me aconteceu quando passei pela porta do imenso galpão da Sucata Chico Alves. Minha vizinha escritora me deu o endereço. “Vai lá, pode ser que você encontre”. Estava à procura de dois exemplares de azulejo que, em um conserto, foram danificados. Fiquei uns dois dias sem entrar no cômodo para não ver a parede. O pedreiro me alertou que não havia ficado bonito. Entristeci. Fizemos uma foto e levamos à loja do seu Chico.

Na entrada da sucata somos recepcionados por um casal. Atrás deles montanhas de “trechos” de carros e motos: paralamas de todas as cores, faróis quebrados, inteiros, peças indecifráveis para mim me amontoam de forma aparentemente caótica. O rapaz se adianta, nos recebe em pé. Vê as fotos que levamos e nos convida a ir ao “setor” dos azulejos.

Seguimos atravessando o mar de pedaços de tudo até chegar às louças pintadas. Fiquei quase uma hora observando as cores, a delicadeza dos traços, imaginando uma parede como um patchwork de azulejos formando um grande mural de retalhos das casas de Fortaleza. Fiquei imaginando quanta história seu Chico guarda naquele caos ordenado pelos veios de memória de pessoas e da cidade. Enquanto buscávamos meus dois azulejos, chegava gente sem parar ao setor. Um casal queria uma telha específica. Teve sorte. Havia duas. Outro queria azulejos azuis. “Desse tipo é quase impossível achar”, arriscou o rapaz. Segundo ele, azulejo azul se transformou em relíquia.

Não achei meus azulejos. Na verdade, encontrei um mundo deles. Escolhemos um desenho que mais se aproximava do original e levamos os 10 disponíveis. No caixa, enquanto pagava, vi uma placa em homenagem ao Seu Chico pelos serviços prestados à população de Fortaleza.

Por acaso, em 2023 comemora-se o aniversário de 100 anos da primeira instalação artística, segundo alguns historiadores da arte contemporânea. O artista alemão Kurt Schiwitters revelou sua instalação espacial, que chamou depois de “Merzbau”. Na concepção de Schiwitters tudo era arte e, aos poucos, foi colecionando objetos aparentemente desordenados em sua casa, na cidade de Hannover, na Alemanha. A casa foi destruída durante a Segunda Guerra. O artista partiu para a Inglaterra. Houveram outras reproduções da “Merzbau”, de Schiwitters. Enquanto caminhava pela sucata, fiquei pensando se ali também não estaria uma “Merzbau” do Seu Chico.

Perto do meio-dia, entramos no Mercado São Sebastião. Meu marido encontrou uma amiga, Irene, que tem um restaurante no lugar. Depois dos abraços, ela nos fez um convite. No último fim de semana de julho haverá no mercado um festival de panelada e buchada. “Vai ser bonito, com show e tudo”, entusiasmou-se. Não gosto de panelada, buchada e adjacências, mas pensei que Fortaleza interessante encontraria nesse festival.

 

Foto do Regina Ribeiro

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?