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Se depender de Fortaleza, como vamos envelhecer?  
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Se depender de Fortaleza, como vamos envelhecer?  

Esta semana, quando o IBGE mostrou o quanto o Brasil está envelhecendo a passos rápidos e Fortaleza também, me perguntei onde estão os velhos desta cidade?
Tipo Análise
Praça do Ferreira no Centro de Fortaleza sob o traço de Carlus Camps (Foto: carlus campus / jansen lucas)
Foto: carlus campus / jansen lucas Praça do Ferreira no Centro de Fortaleza sob o traço de Carlus Camps

 

“De repente, envelheci”. A frase dita pela personagem d´“O Amante”, de Marguerite Duras, lembra muito a surpresa aparente com o envelhecimento da população brasileira, segundo dados do IBGE. Na verdade, pensei o quanto Fortaleza não é uma cidade fácil, mesmo quando se é criança, jovem ou adulto.

Quando tinha filhos pequenos, mapeava os lugares para levar as crianças a fim de não viver confinada em shoppings: Dragão do Mar, Beira-Mar, Casa José de Alencar, Parque do Cocó – o novo e o velho, o Zoológico – que minhas filhas odiavam porque diziam que lá só tinha “galinhas”. (O exagero de quem sonhava com leões e elefantes). Corria pelos museus, passeava de carro com o livro de Geografia da FDR nas mãos, visitando os lugares apontados pela obra. Visitava teatros, praças, lagoas. Procurava restaurantes com espaço para crianças.

Lembro-me de uma vez, enquanto caminhava com meu filho de uns oito anos até à avenida Beira-Mar pela rua Joaquim Nabuco e um motorista, “gentilíssimo”, pôs a cabeça do lado de fora do carro e gritou: “Tira esse menino do meio da rua, sua louca”. O que o “gentleman” ignorava por completo era o fato de ter descido a calçada, porque uma pessoa muito “lúcida” estava usando o espaço que deveria ser para pedestres como estacionamento da sua loja.

Aliás, os veículos de Fortaleza são muito bem tratados, obrigada. Os melhores lugares são para os veículos. Os maiores investimentos que essa cidade viu nos últimos anos foram destinados a veículos, sejam carros ou bicicletas: novas avenidas, túneis para todos os lados, ciclovias. Esta semana, quando o IBGE mostrou o quanto o Brasil está envelhecendo a passos rápidos e Fortaleza também, me perguntei onde estão os velhos desta cidade?

Outro dia, enquanto fazia as unhas, uma mulher viúva contava a saga para ir dançar “em segurança” com as amigas da mesma idade. O relato era entrecortado pela palavra “medo”. Ficavam em grupo sempre, dançavam com o mesmo rapaz, rateado entre elas, e ele não poderia beber, segundo o acordo feito. Todas tinham motoristas particulares. Ou seja, a diversão era quase uma aventura. Sem contar que aquela viúva deve ser uma em 100 mulheres da idade dela que pode arcar com todo esse protocolo econômico para uma saída com as amigas.

A nova velhice, no entanto, precisa de uma cidade pensada para o público que só cresce e quer algo mais do que shoppings e telas. Carece de segurança, de estímulo ao convívio com a cidade. Não basta morar em um lugar é necessário vivenciar o lugar. Fortaleza tem que se apressar, uma vez que o perfil dos seus habitantes está mudando muito rápido. Isso tem a ver com decisões políticas, mas em outras áreas também como a da cultura, da gastronomia, do entretenimento.

Lembro-me de ter ouvido, num seminário, sobre a experiência em um dos teatros de Córdoba, na Argentina, que desenvolvia projetos com atores mais velhos. Ainda assim, o público idoso não frequentava o teatro. Como teste, eles trocaram os recepcionistas por pessoas mais velhas e o teatro passou a estar lotado todas as noites. Fizeram uma pesquisa e quase todos falaram que o teatro era “acolhedor”.

A pergunta no caso é a seguinte: dependendo de Fortaleza, como será nossa velhice?

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