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Os protestos bolsonaristas e a fábrica de monstros imaginários
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Os protestos bolsonaristas e a fábrica de monstros imaginários

A realidade paralela da extrema direita trabalha diuturnamente construindo discursos que tornam a palavra "absurdo" praticamente sem sentido
Tipo Opinião
Fachada do palácio do Supremo Tribunal Federal (STF) (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil Fachada do palácio do Supremo Tribunal Federal (STF)

Acompanho com bastante interesse as movimentações em torno do esforço bolsonarista para emplacar manifestações e pôr na fervura para engrossar o caldo de descontentamento com o atual governo. A meta é escalar e, talvez, repetir o que já aconteceu no país numa história recente. Em 15 de novembro último a aderência foi bem baixa.

No domingo passado, de acordo com pesquisa realizada pela USP, cerca de 30 mil pessoas estiveram na avenida Paulista, numa manifestação contra o STF, principalmente contra o ministro Alexandre de Moraes, a quem acusam de ser culpado pela morte de Cleriston Pereira da Cunha, condenado pelos eventos de 8 e janeiro, e que teve mal súbito no presídio da Papuda na semana passada.

Lendo com bastante atenção as matérias publicadas e assistindo a alguns vídeos sobre o evento, que contou com bolsonaristas e gente implicada com a Justiça, como a deputada Carla Zambeli, custa acreditar em quanto alguns discursos contraditórios à democracia estão, não apenas vivos, mas contam com o apoio de muita gente no Brasil.

O protesto que ataca o STF, um dos pilares da democracia, é o mesmo que defende o Estado Democrático de Direito que dizem estar ameaçado atualmente no País, mesmo com todas as instituições funcionando e todos os brasileiros podendo contar com a legitimidade dessas mesmas instituições, inclusive, aqueles que, sim, vêm praticando toda sorte de insurgência contra o Estado Democrático de Direito, como a própria Zambeli, que planejou, segundo denúncias que ela não conseguiu provar, o contrário, atacar urnas eleitorais para prejudicar as eleições de 2022.

Quando a gente olha numa perspectiva essa confusão de discursos animados pela má-fé, ignorância, e interesses inconfessáveis, percebe-se como o Brasil ganhou uma complexidade tal que extrapola e muito qualquer possibilidade de entendimento até mesmo em médio prazo. A realidade paralela da extrema direita trabalha diuturnamente construindo discursos que tornam a palavra "absurdo" praticamente sem sentido.

Outro dia, uma das minhas filhas que mora em Manaus me contou uma conversa que teve com um motorista durante o trajeto do supermercado para casa. Querendo fugir do diálogo, ela disse que não estava acompanhando a política. O homem não perdeu tempo: "Pois deixa eu te informar". E a partir desse momento, minha filha "soube" que o ministro da Justiça, Flávio Dino seria, na verdade, "um líder de facção", e que a Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, na surdina, "exportava madeira do Amazonas para o Exterior ilegalmente". E que todos os jornais brasileiros já teriam sido "avisados" de que, em janeiro próximo, "o Brasil vai quebrar".

Ou seja, sabe-se lá quantos delírios estão sendo forjados para os próximos dias e meses e como esse desequilíbrio mental, que não encontra apoio na realidade, influenciará protestos e dominará a cena política em grupos e comunidades nas mídias sociais país afora. Não é fácil lutar contra monstros fictícios.

Mas o pior é saber que eles estão sendo gestados de forma proposital com objetivos claros e transparentes, e que unem motoristas de Uber a pessoas bem formadas com espaços de fala privilegiados. n

 

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