
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha
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A primeira vez que desembarquei na Flip, no Rio de Janeiro, foi também a primeira vez que decidi tirar uns dias de férias sem a família. Durante todo o trajeto no avião, e no ônibus, que sai do Rio até Paraty, ia me sentindo a pior mulher no mundo. Que tipo de mãe sai de férias sem os filhos? O pavor era tanto que eu evitava olhar meu rosto em qualquer superfície onde pudesse vê-lo refletido.
Cheguei à pequena rodoviária de Paraty, apinhada de gente, por volta das 16 horas. Peguei um táxi até a pousada onde ficaria hospedada, pagando uma pequena fortuna. A preço de hoje seria caro, em 2005, exorbitante (para mim). Havia uma piscina no aconchegante terraço interno da pousada, com um bar onde se ouvia uma música suave, e uma recepção aos “flipers”. Passei direto pro quarto e liguei pra casa. Dona Edna atendeu: “Já? A senhora não saiu daqui dizendo que estava de férias?”. Quero só saber se está tudo bem. “Ainda não deu tempo de mudar nada não, dona Regina. Está tudo do jeito que a senhora deixou hoje de manhã. As crianças chegaram do colégio, almoçaram, as meninas voltaram pra escola, o menino está brincando. Quer falar com ele?”.
Fui pegar meus ingressos para as mesas principais, comprados ainda em Fortaleza dias antes. Cada ingresso custou, em 2005, R$ 35, e havia 5 mesas diárias, das 10h às 20h. Naquele ano, Paraty recebera, para a festa literária, 8 mil pessoas, o que a deixou abarrotada. Muitos moradores transformavam suas casas em restaurantes improvisados para servirem almoço. Frequentei algumas delas. Anos depois, quase todas viraram restaurantes. Minha primeira noite em Paraty foi tão ruim que me recordo dela nitidamente. Apesar de estar no lugar que queria, alguma coisa me apertava o peito, a cabeça zunia: o que estou fazendo aqui? Liguei para meu marido umas horas antes de dormir. Ele me atendeu sem nenhuma vontade de conversar. Chorei. Era o fim da noite de quarta-feira.
No domingo, acordei animada. Ter ficado sozinha durante aquele tempo foi a melhor coisa que fiz na vida. Assisti a um show inesquecível do Yamandú Costa, numa ruela do Centro Histórico. Enquanto o violão do Yamandú fazia mágica com os sons, eu sentia na pele o frio do inverno de Paraty. De repente, não era tão apocalíptico assim sair sozinha. Conversei com gente que nunca mais veria na vida, dividi mesa com desconhecidos. Aos poucos, fui percebendo que os espelhos já não me incomodavam. Olhava bem dentro dos meus olhos negros e me via inteira. E por que não?
Voltei a Paraty umas 10 vezes mais e a Flip é mesmo elitista. Os ingressos foram aumentando de preço ano a ano. A cidade ficou ainda mais cheia e mais cara. Quando Paraty alcançou a marca de 20 mil visitantes houve muita preocupação. Avisaram que ia faltar água. A festa mudou em todos os sentidos ao longo do tempo. Incluindo a vasta programação paralela que passou a correr solta e gratuita, sem contar que muita gente vai à Flip e fica bem longe dos eventos oficiais, inviáveis pelo preço e – talvez – pelo ar blasé que emana da tenda dos autores.
Em 2005, a Flip homenageou a escritora Clarice Lispector. Em diversos momentos, senti que ela caminhava ao meu lado sobre as pedras irregulares de Paraty. E, em silêncio, me olhava, enquanto, eu, equilibrista, tentava firmar meus passos.
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