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"Zona de interesse", Auschwitz e o mal ordinário
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

"Zona de interesse", Auschwitz e o mal ordinário

Até o momento, "Zona de Interesse" ganhou os principais prêmios do Oscar britânico e estou torcendo muito que ele arrebanhe, junto com Anatomia de uma queda" todos os maiores prêmios do Oscar 2024, que será entregue no dia 10 de março.
Tipo Análise
Sandra Hüller interpreta Hedwig, esposa de Rudolf Höss, comandante do campo de concentração de Auschwitz no fiilme "Zona de Interesse"  (Foto: Leonine/Divulgação)
Foto: Leonine/Divulgação Sandra Hüller interpreta Hedwig, esposa de Rudolf Höss, comandante do campo de concentração de Auschwitz no fiilme "Zona de Interesse"

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Assistir ao filme "Zona de Interesse" é uma experiência singular, mesmo para quem já viu muitos e muitos filmes que retratam episódios envolvendo o holocausto nazista. Sem nenhuma sombra de dúvida a morte de milhões de judeus a partir engrenagem montada por Hitler e seus principais assessores colocou em xeque não só a nossa humanidade. Mas também, e Hanna Arendt viria a mostrar depois, o próprio significado do mal.

E é justamente isso que o filme dirigido pelo britânico Jonathan Glazer nos mostra com uma grande sutileza. "Zona de Interesse" esmiúça o cotidiano do casal Rodolf Höss (Christian Friedel), comandante de Auschwitz, e sua esposa Hedwig (Sandra Hüller). A família Höss, com cinco crianças e empregados dividem uma bela e espaçosa casa rodeada de árvores, com um bem cuidado jardim e uma piscina.

Pela manhã, enquanto as crianças maiores estão sob as ordens da governanta, a mãe leva o bebê para reconhecer as flores e o marido atravessa uma pequena rua e entra no campo de Auschwitz. Sua meta é exterminar a maior quantidade de judeus no menor tempo possível. Se antes, os encaminhamentos da casa contemplam o recebimento de roupas usadas pelos judeus mortos e que são aproveitadas pelo casal e seus empregados, depois é o vento que traz para a mansão dos Höss o cheiro dos fornos onde homens e mulheres são exterminados diuturnamente.

Como aconteceu com “A Queda”, que omitiu a morte de Hitler e a mulher, o filme recebeu críticas por não mostrar os horrores do campo de concentração, mas isso não quer dizer que os espectadores não os sintam. Focar na vida ordinária do comandante do campo é uma forma interessante de perceber o mal também ordinário. Sorrateiramente, todos no filme sentem o impacto do que acontece em Auschwitz, diante do empenho de Höss em levar adiante seu propósito. Uma das cenas mais emblemáticas do filme é quando o comandante do campo de concentração proíbe os soldados nazistas de colherem flores lilás de forma grosseira a fim de evitar prejuízo às plantas. O outro é quando ele diz "eu te amo" ao cavalo, enquanto o acaricia.

O ritmo de filme tem algo da cineasta francesa Chantal Akerman no manejo de uma câmera que foca nos detalhes domésticos aparentemente sem importância, ao mesmo tempo em que os elege como parte central da narrativa. Como acontece no trabalho de Akerman, o tempo fílmico se confunde com o real, o que dá ao espectador a impressão de que ele está vivendo as cenas enquanto elas se desenrolam.

As brincadeiras das crianças se confundem com os diálogos que chegam do campo de concentração. A violência nem tão silenciosa se faz presente nos acasos cotidianos. O trágico destino dos judeus que tiveram a infelicidade de estar sob o comando de Höss vai se agigantando junto com o mal disfarçado de indiferença.

Até o momento, “Zona de Interesse" ganhou os principais prêmios do Oscar britânico e estou torcendo muito que ele arrebanhe, junto com "Anatomia de uma queda” todos os maiores prêmios do Oscar 2024, que será entregue no dia 10 de março. Em comum, esses dois filmes deixam fora do alcance dos olhos dos espectadores o que parece ser o motivo principal do que está acontecendo.

 

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