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Manual para presentear uma mãe
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Manual para presentear uma mãe

Quando elas ficaram adolescentes me diziam que eu era a mãe mais diferente entre todas as mães de suas amigas. "A mãe das nossas amigas adoooooram uma batedeira nova", diziam, distribuindo risadas
Tipo Opinião

Mesmo agora, depois de mais de três décadas, me lembro demais do meu primeiro Dia das Mães. Minha primeira filha nasceu em agosto, e eu já passei a planejar ir ao almoço de maio na casa dos meus pais com a menina nos braços, como se fosse uma espécie de espelho da minha mãe.

Nem me passava pela cabeça nessa época - enquanto fazia os planos - as turbulências da maternidade. Porque sim, elas existem. É preciso ter uma boa dose de coragem para falar sobre elas. E nós mulheres, muitas vezes encobrimos certas emoções com um medo terrível do julgamento das outras. Outras mulheres. E a maternidade, que nesse tempo se transforma em peças lindas para vender o diabo a quatro, pode ser pesada e cansativa ao extremo. Quando descobri isso, entendi por que algumas mulheres desistem, não encaram ou assumem que não dão conta da tarefa. Admitir isso não tem a ver com querer ser mãe. Eu quis, conscientemente, a maternidade, e mesmo que biologicamente não pudesse parir meus filhos, adotaria crianças.

Mas este é outro assunto. Vamos devagarinho, porque meu desejo pelo Dia das Mães com minhas meninas falando e entregando presente - no início eram duas garotas, o menino chegou bem depois - teve de esperar e eu ainda as ensinei a me presentear. Expliquei para elas que não gostava de ganhar "presentes de casa".

"O que é presente de casa, mãe?" É louça, objetos de cozinha, móveis, essas coisas que todos na casa usam, filha". Os olhinhos cravavam no meu rosto uma incompreensão que não conseguiam ser traduzidas em palavras. O fato é que o recado estava dado. Quando elas ficaram adolescentes me diziam que eu era a mãe mais diferente entre todas as mães de suas amigas. "A mãe das nossas amigas adoooooram uma batedeira nova", diziam, distribuindo risadas.

Desde bem crianças, minhas filhas se mostraram bem criativas. Das óbvias cestas de café da manhã que eram acrescidas de livros e outros presentinhos, a anéis estilosos, passando por massagens, já ganhei coisas que me surpreenderam de fato. Meu filho me deu de presente uma saia belíssima e meu marido contou que ele ficou dias escolhendo até encontrar algo que eu realmente gostasse. Ano passado, eles falaram comigo que o presente precisava da minha opinião: queriam me levar para dar um voo pelas praias. E eu disse "não, muito obrigada".

Durante esse processo, descobri que havia dado não sei quantas coisas de casa para minha mãe e a desculpa era que ela gostava. Adorava louça. Lembro-me da delicadeza do eterno aparelho de jantar da minha mãe, que só era visto em ocasiões especiais - o batizado dos meus irmãos, visita de parente ilustre, como a do meu tio Wilson que ajudou a construir Brasília. Depois, eu soube, aqueles pratos finos e decorados valiam mais do que eu. Um dia, eu quebrei uma peça e ela ficou louca de raiva, disse que me "mataria" se eu chegasse perto da louça.

Até que comecei a pensar que ela também poderia gostar de ganhar outros presentes. Um dia, mandei rosas. Ela me ligou na mesma hora que recebeu o presente na maior felicidade. Minha mãe amava plantas, em todos os lugares que moramos, ela cultivou jardins bonitos. Como eu não havia pensado nisso antes? Num outro momento, simplesmente coloquei dinheiro num envelope bem bonito e disse a ela depois do almoço. "Pra senhora usar como bem quiser", ela sorriu e agradeceu.

Este domingo, avisei lá em casa que não quero presente. Vamos almoçar juntos e isso pra mim é o suficiente. No fim, parece que estava adivinhando. Estou pensando nas mães do Rio Grande do Sul que estão sofrendo com o desastre ambiental que atingiu o estado e que só deve começar a dar trégua a partir da semana que vem. Os cientistas que estão acompanhando o tempo gaúcho afirmam que dia 13 de maio é que as águas podem começar a baixar. E só quem é mãe consegue imaginar como esses tempos incertos nos deixam exaustas. Minha solidariedade às mães gaúchas.

 

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