Sou jornalista de formação. Tenho o privilégio de ter uma vida marcada pela leitura e pela escrita. Foi a única coisa que eu fiz na vida até o momento. Claro, além de criar meus três filhos. Trabalhei como repórter, editora de algumas áreas do O POVO, editei livros de literatura, fiz um mestrado em Literatura na Universidade Federal do Ceará (UFC). Sigo aprendendo sempre. É o que importa pra mim
O filme é muito mais do que uma experiência artística, é um mergulho da nossa própria sensibilidade
Foto: Divulgação
Fernanda Torres foi indicada ao Oscar por sua interpretação de Eunice Paiva no filme ‘Ainda Estou Aqui’
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A vitória do filme “Ainda estou aqui” é representativa para o País por muitos motivos. Culturalmente, do ponto de vista do sucesso da indústria do cinema nacional, da exposição mundial de artistas como Fernanda Montenegro e Selton Mello, da forma como a história da ditadura militar foi transmitida dentro e fora do Brasil, do aspecto econômico e por aí vai...
Mas, pessoalmente, o Oscar deste filme é também um prêmio máximo para a delicadeza. Uma delicadeza que muitas vezes é comparada à passividade, ao recuo diante das dificuldades da vida, à paralisação, à esterilidade de ações, à estagnação. Eu li, inclusive, que Eunice Paiva no filme parecia “passiva" diante da gravidade do desaparecimento do marido. Meu Deus, quanto engano. Já assisti ao “Ainda estou aqui” três vezes e cada vez que o vejo, percebo o quão forte foi aquela mulher, e quanta delicadeza ela teve com a própria vida e a dos filhos.
Delicadeza é força talhada no mármore da sutileza. É uma aguda percepção das coisas que dispensa resenhas desnecessárias. Delicadeza é a economia das emoções, mesmo quando elas transbordam. Delicadeza é a sensibilidade de se saber o quão despreparado se está diante das surpresas da vida. Delicadeza é caminhar no incerto com esperança.
Poucas vezes uma personagem simbolizou tanto essa delicadeza na qual acredito quanto Eunice Paiva, com seus jogos de olhares, um timbre de voz no ponto, nas decisões vitais que teve de tomar, na solidão rodeada de filhos. Delicadeza é algo assustador nos nossos dias. Ela incomoda neste mundo de rompantes e destemperos no trato pessoal e virtual, e de “ações cruéis” do campo da política, como bem observou o diretor do filme Walter Salles, na coletiva em Los Angeles, após o Oscar, na abençoada segunda-feira, 3.
"Ainda estou aqui é um filme sobre a delicadeza não importa o que aconteça. É sobre deixar-se moldar pelo que resta de delicado em volta e seguir em frente"
E por falar em delicadeza, é impossível não me referir à própria Fernanda Torres, com sua autenticidade delicada, seu humor afiado e igualmente sincero e delicado, uma beleza com rugas que transcende o rosto. Aliás, as rugas são um capítulo à parte, porque eu também li sobre elas: “por que ela deixa tantas rugas aparecendo? não precisava!”. Alguém teve o desplante de falar de uma elegância incompatível com as rugas aparentes no caso de uma mulher jovem e famosa como a Fernanda. O nível de escassez mental que se vive atualmente chega a ser assustador.
Vi alguns vídeos da Fernanda Torres orientando o público brasileiro, que passou a invadir qualquer rede que fazia comentários sobre ela ou o filme julgados desagradáveis, que não atacassem as pessoas, incluindo Karla Sofia Gascón. Pediu agora que mandassem “amor” para Mikey Madison, que ganhou o Oscar de Melhor atriz, que a própria Fernanda também concorria.
“Ainda estou aqui”, portanto, é um filme sobre a delicadeza não importa o que aconteça. É sobre deixar-se moldar pelo que resta de delicado em volta e seguir em frente. “Ainda estou aqui” é um filme para os nossos tempos intemperantes e intolerantes. “Ainda estou aqui” é muito mais do que uma experiência artística, é um mergulho da nossa própria sensibilidade. No fim das contas, o Oscar para o “Ainda estou aqui” foi um Oscar à delicadeza.
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