O jornalista Bernardo Mello Campo, analisando a crise das esquerdas no mundo, no último domingo, contou que o próprio presidente Lula ao ser convidado a gravar um vídeo sobre o futuro da esquerda internacional, teria tido dificuldades por reconhecer que não está fácil estabelecer uma conexão mais apurada com os anseios das pessoas. Estado forte atuando em prol de justiça social e econômica, educação e saúde, ações positivas para grupos minoritários e igualdade de gênero, além de políticas ambientais sustentáveis são pautas identificadas com o campo progressista, mas vamos convir que tudo isso tem limites tanto no que diz respeito ao alcance quanto aos seus efeitos.
Por exemplo, a lei que isenta de cobrança de IR aos que ganham até R$ 5 mil é uma ótima notícia que corrige anos de injustiça tributária sobre assalariados. Ou seja, chega com tanta defasagem que, ao ser incorporado, a sensação de feito político se torna bastante reduzida, embora, claro, a cantilena da campanha eleitoral não vá deixar ninguém esquecer a medida, ainda mais no ano que vem. Voltando, porém, à questão: por que as direitas e extremas-direitas - e não as esquerdas - têm conseguido um discurso que parece mais encantador e digitalmente mais engajado?
Por que países que viveram regimes ditatoriais e fascistas e até mesmo nazistas estão com seus pêndulos voltados para mensagens que retomam alguns desses ideais considerados absurdos até pouco tempo atrás? Itália, Alemanha, França há anos flertam com a extrema-direita. Portugal não conseguiu o que queria nas últimas eleições, mas o movimento da extrema-direita português não dá sinais de trégua. No Brasil, a intransigência do bolsonarismo raiz não depende mais do líder preso.
A escritora Naomi Klein que, por anos, investigou a decepção de eleitores no Canadá e Estados Unidos com seus partidos progressistas aposta que a descrença e o desânimo com as esquerdas nesses países vêm da distância abissal entre os discursos e a prática política. As pessoas desencantadas constatam que governos progressistas se elegem com discursos próximos à classe média e governam com os ricos, para os ricos.
Ontem, quando li que o Ibama autorizou a exploração de poços na bacia da foz do Amazonas, lembrei-me da ideia de Naomi. O que adianta um discurso de proteção ambiental se, na prática, acontece justamente o contrário? Se a Amazônia precisa tanto de proteção, se os povos indígenas estão sofrendo com a invasão e avanços sobre seus territórios, como transformar a região numa área de exploração petrolífera e considerar que isso contribui a longo prazo para beneficiar a região e os povos da floresta? Belo Monte teve discurso de proteção indígena, mas a prática está aí para mostrar as distâncias. n