
Reinaldo Azevedo é jornalista político, autor do livro
Reinaldo Azevedo é jornalista político, autor do livro
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O ainda (?) deputado Daniel Silveira foi condenado pelo Supremo a oito anos e nove meses de prisão. E me lembrei de uma frase que os bolsonaristas vivem repetindo por aí, em seu vomitório diário de mistificações e indignidades: "Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é".
Olavo de Carvalho, que criou na internet um troço que pretendia ser uma filosofia "prêt-à-utiliser", atribuiu a Lênin essa porcaria. E o gado foi atrás, como na musiquinha de João do Rio. Nunca ninguém encontrou esse troço em livro nenhum do Vladimir. Escreveu coisas até piores. Mas isso não. Tratava-se, muito provavelmente, de uma das coautorias não autorizadas a que se dedicava o "sedizente" filósofo. Seus seguidores, não exatamente íntimos dos livros, jamais cobraram a mentira.
Há, em mais essa impostura, a evidência de um ardil. Era Carvalho, um dos gurus dessa algaravia de lunáticos, a ter como divisa a máxima que atribuía a Lênin e que, na prática, recomendava a seus admiradores e aos de Bolsonaro. "Ué, Reinaldo, mas ele iria adotar justamente o suposto pensamento de alguém que demonizava?" Ora, esse era o segredo de seu sucesso. O brocado, convenham, justifica qualquer coisa. Percebam: ele transforma toda ação, por mais violenta, estúpida e imoral que seja, em mera reação defensiva. Que tal dar um golpe antes que sejamos golpeados? "Acuse os adversários etc."
Nos reiterados ataques que fez ao Supremo – o maior deles está no vídeo que o levou, acertadamente e segundo o rigor da lei, a ter decretada a prisão preventiva –, Silveira tinha um pressuposto: a maioria dos ministros que integram a Corte não está lá para interpretar e aplicar a Constituição e as leis. Seriam agentes infiltrados de um conjunto de valores que contrariam os interesses do povo... bolsonarista.
Isso, na cabeça dos valentes, se comprova a cada vez que o tribunal, ou o TSE, tolhe ou pune seus arroubos fascistoides – porque, afinal de contas, ilegais. E daí? Em sua máquina deformada de pensamento, há uma espécie de gozo do martírio. Mais a condenação do que a absolvição reforça a convicção de um fanático, dado que ele não aceita o conjunto de valores segundo os quais decidem os juízes.
Quais valores? Não falo em abstrato. Refiro-me àqueles que organizam a Constituição democrática de 1988, que, obviamente, não servem a essa turma. Ainda que possa não conhecer a exata extensão do que fala, Silveira exalta, aquele vídeo, as virtudes do AI-5, com o qual ameaça os ministros, como se sua voz fosse a de uma legião. Faz sentido. No primeiro parágrafo do texto que instaura a "ditadura escancarada", lê-se que seu objetivo é assegurar a "autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana (...) na luta contra a corrupção". Destaque para "democracia autêntica". Não sendo a deles, então não vale.
A condenação de Silveira por 10 a 1 – até o voto mambembe de André Mendonça serve a esta contabilidade – consolida o entendimento de que a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar não protegem a prática criminosa. A Justiça disse a um "clown" do reacionarismo que ele não tem licença especial para recorrer às prerrogativas oferecidas pela democracia para solapar a democracia. Essa é a mais recorrente acusação que a extrema direita faz às esquerdas. Como é mesmo? "Acuse os adversários etc."
Quanto ao voto de Nunes Marques, dizer o quê? Se triunfasse, o Código Penal seria transformado em parque de diversões de criminosos disfarçados de paladinos da liberdade. Não serei eu a dizer "que está todo mundo cansado" da "sua cara de filho da puta". Ou que o imagino a "tomar uma surra bem dada com gato morto, até ele miar". Essas são expressões de Silveira, referindo-se a Edson Fachin. Quem o fizesse poderia ser punido pelos demais ministros, que, assim, protegeriam Nunes Marques da delinquência jurídica do voto quem deu.
Trata-se, se o ministro me permite citar uma rara expressão não criminosa de Silveira, de um "jurista pífio". Está na Corte para aplicar a Constituição e as leis ou a serviço de uma causa? "Acuse os adversários etc."
* A coluna de Reinaldo Azevedo foi escrita ante do presidente Jair Bolsonaro anunciar a decisão de induldar o deputado federal Daniel Silveira
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