
Reinaldo Azevedo é jornalista político, autor do livro
Reinaldo Azevedo é jornalista político, autor do livro
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É muito provável que Ciro Gomes (PDT), que se manteve como o terceiro colocado na disputa desde o início da corrida eleitoral, tenha merecido menos atenção de colunistas de qualquer veículo profissional – não trato do espaço noticioso – do que nomes da extinta "terceira via".
Se indagados sobre os motivos, seus partidários, especialmente os engajados das redes, terão a resposta na ponta da língua: também os analistas, a exemplo de toda a imprensa, seriam reféns da "polarização odienta" e não dispensariam "ao único candidato realmente independente dos banqueiros" a devida importância. Será mesmo assim?
Um amigo refletiu: "Por que vou escrever sobre Ciro? Não tem chance de ganhar. E, de quebra, os seus partidários começarão a me ofender nas redes caso não gostem de alguma coisa. Já basta ter de escrever sobre Bolsonaro e tomar porrada de seus fanáticos". É claro que deve haver outras razões, mas a impossibilidade de o analista sair ileso é uma delas.
Ninguém me contou nada de bastidor ou vazou alguma intenção secreta; tampouco tive acesso, como é mesmo o clichê cômico?, a "conversas do círculo íntimo". Entendo, dada a lógica dos fatos, que Ciro já deu início à corrida eleitoral de 2026. Pergunta óbvia de resposta não menos: quem pretende se colocar como alternativa "progressista" ao PT tende a preferir, nesta eleição, a vitória de Jair Bolsonaro ou de Lula? Eis o segredo mais mal guardado da República. A direita não capturada pelo bolsonarismo faz o mesmo – e errado! – cálculo.
"Ignorar o óbvio viés fascistoide de Bolsonaro, que articula o ataque à imprensa e cria o ambiente para assassinatos políticos, corresponde a apostar no quanto pior, melhorperseguem"
Sigo nesse terreno especulativo, porém firme. Se Bolsonaro vencer e não destroçar o regime democrático, será grande a chance de não concluir o mandato. Mas notem a condição: assim seria no caso de a democracia sobreviver, o que não aconteceria. Lula triunfando, os adversários temem um novo ciclo longo do PT no poder.
E, nesse particular, um dado assustou o antipetismo, mesmo o não bolsonarista, lado para o qual Ciro migrou, mas que jamais estará sob seu comando. E que dado é esse? A adesão da maioria do eleitorado de baixa renda à candidatura de Lula, mesmo entre os beneficiários do Bolsa Família "eleitoralizado", evidencia que o PT se reconectou com extrema facilidade, mesmo sob vara, à sua antiga base social. O governo da fome de Bolsonaro colaborou para isso.
Ciro passou a denunciar uma suposta relação mutualista entre bolsonarismo e petismo, repetindo o mantra "nem-nem", mas com muito mais virulência, antes empregado pela dita "terceira via", e começou a dizer algumas coisas sem sentido sobre as alternativas de que dispõe o eleitor. Segundo ele, uma eventual defesa do voto útil é coisa de "fascistas de esquerda", como se essa opção, e é muito fácil demonstrá-lo, não pudesse ser até mais política – afeita ao chamado "realismo político" – do que o próprio voto de convicção.
Comecemos a voltar ao ponto de partida. E aqui me reencontro com a militância cirista nas redes, que vai me esfolar como defensor do voto útil. Não sou. Já dei muito voto "inútil" de que me orgulho – em Ulysses Guimarães, em 1989, por exemplo. Voto útil não é categoria de pensamento, mas instrumento contra o mal maior.
Reconheço o "direito", ou que nome tenha, de o pedetista dar início agora à corrida de 2026. Mas classifico como mentirosa a afirmação do candidato segundo a qual lulismo e bolsonarismo são males opostos e combinados. E olhem que bati muito em Lula quando Ciro era seu ministro. Ignorar o óbvio viés fascistoide de Bolsonaro, que articula o ataque à imprensa e cria o ambiente para assassinatos políticos, corresponde a apostar no quanto pior, melhor. Ademais, o pedetista jamais terá o voto "deles", mas só será presidente se um dia contar com os votos daqueles a quem perseguem.
Sim, eu sei. Dedos nervosos começarão em seguida a questionar a minha isenção. Estaria entre os que ainda não perceberam que Ciro "é o único que etc..." Numa coisa, esses ciristas (certamente não todos) e bolsonaristas se parecem: é preciso concordar com eles 100%. Meros 10% de divergência já fazem um canalha. Não creio que isso tenha futuro. E, se tivesse, viraria "Mito imbrochável".
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