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Preta Gil e o bloco da liberdade
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Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas

Renato Abê arte e cultura

Preta Gil e o bloco da liberdade

Nascida no berço do Tropicalismo, a artista soube, ao seu modo, reunir referências diversas de sonoridades e temáticas. Junto disso, um discurso que agrupa a contundência de pautas sociais com a alegria do Carnaval
Capa do primeiro álbum de Preta Gil estampa a artista nua coberta por fitas do Nosso Senhor do Bonfim  (Foto: Divulgação/Vania Toledo)
Foto: Divulgação/Vania Toledo Capa do primeiro álbum de Preta Gil estampa a artista nua coberta por fitas do Nosso Senhor do Bonfim

Quando “Prêt-à-porter” foi lançado, em 2003, um discurso moralista roubou a atenção. O álbum de estreia de Preta Gil trazia, na capa e no encarte, fotos da artista sem roupa em ensaio feito com a fotógrafa Vânia Toledo. Logo, as revistas e programas vespertinos começaram a endossar um discurso que nas entrelinhas lamentava: ela é filha do Gilberto Gil e “não precisa disso”.

Àquela altura, eu, aos 11 anos, estava tateando minhas preferências musicais. Ouvia, então, tudo que chegava até mim: de Linkin Park a Aviões do Forró. O disco da Preta capturou muito minha atenção, primeiro pelo burburinho em torno das fotos, depois por mostrar a face de uma artista pop que dava a cara a tapa em repertório de letras simpáticas.

Era um cenário pré-Orkut, ainda sem redes sociais para repercutir opiniões. Lembro de ler um texto muito pejorativo sobre a cantora numa revista voltada à cultura. O jornalista fazia comentários nada sutis sobre o corpo e a sexualidade da cantora. Preta já falava com tranquilidade sobre ser bissexual e achei aquilo extremamente inspirador.

Viciei em “Sinais de fogo”, ouvia o tempo inteiro, mas lembro de sentir certa vergonha de gostar daquele som. Com a pouca maturidade da pré-adolescência, deixei o discurso preconceituoso me afetar. A cantora era alvo de comentários maldosos, se eu gostasse daquela artista, eu seria também?

O tempo passou e reencontrei o som da Preta, já adulto, em “Todas as Cores” (2017), disco que reúne parcerias com Gal Costa e Pabllo Vittar. Ali me reconectei com a ecleticidade da carioca-baiana, característica que tanto dialoga com o meu jeito de consumir música.

Nascida no berço do Tropicalismo, a artista soube, ao seu modo, reunir referências diversas de sonoridades e temáticas. Junto disso, um discurso que agrupa a contundência de pautas sociais com a alegria do Carnaval. Havia um caminho já pavimentado para ela, que poderia ter insistido em simular os passos do pai, mas apostou no próprio caminho.

Sem embalar sua música numa roupagem presunçosa, ela chamou seu público para a diversão e, não por acaso, virou uma referência carnavalesca com seu Bloco da Preta. Ao longo de 15 anos, a também apresentadora, empresária e atriz soube transitar pelas muitas faces da folia e fez história ao abrir espaço para as novíssimas gerações da música.

Nesta sexta-feira, 25, o corpo da cantora será velado no Theatro Municipal do Rio em cerimônia que culminará em cortejo com rota pelo percurso dos megablocos do Carnaval carioca. O circuito folião foi batizado esta semana em homenagem à artista, que seguirá sendo relembrada nesse período tão festivo do País. O grito de liberdade e alegria dado lá no início, com “Prêt-à-porter”, seguirá vivo, ecoando Brasil afora.

Foto do Renato Abê

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