
Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas
Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas
Chega ao fim nesta sexta-feira, 17, o remake de “Vale Tudo”, sucesso de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères originalmente lançado em 1988. Agora nas mãos de Manuela Dias, autora da excelente série “Justiça” (2016), a trama mobilizou o Brasil – seja com críticas, elogios ou piadas – e hoje responde a uma das perguntas mais emblemáticas da teledramaturgia nacional: Quem matou Odete Roitman?
Pensada para ser o grande ápice das comemorações de 60 anos da Rede Globo, a novela cujo tema central é a ética cumpriu seu papel enquanto aposta da emissora carioca. A forte presença de marcas dos mais variados segmentos patrocinando a trama e a audiência estável ao longo dos meses garantiram cifras e métricas que posicionam a versão de 2025 como um sucesso.
Por outro lado, não dá para negar o incômodo de grande parte da audiência com a condução do enredo e desenvolvimento dos personagens – previamente já conhecidos pelo sucesso de mais de 30 anos atrás. Pensando no folhetim de maneira global, Manoela parece não ter cuidado dos detalhes e transpareceu ter esquecido um fato crucial: o brasileiro é letrado em novela.
É claro que o consumo desse modelo massivo de obra aberta objetiva sobretudo o entretenimento em seu estado mais puro, mas o público espera, sim, coesão. Na condução do roteiro, a autora emulou um feed de rede social ao conduzir a história com muitas telas pouco trabalhadas.
Da súbita introdução de temas como a “febre dos bebês reborn” à maneira inconstante como tratou as narrativas com “merchandising social” (que são as mensagens socioeducativas incluídas na ficção), tudo pareceu apressado e polifônico em excesso. Até questões de saúde como alcoolismo, diabetes e câncer – temas seríssimos que pairavam sobre personagens centrais – tiveram evidentes momentos de engasgo.
Nesse caldeirão de acontecimentos, a protagonista saiu perdendo. A Raquel de Taís Araújo foi sendo suprimida ao longo da trama num esvaziamento que depôs contra a própria sinopse da novela. Afinal, a principal questão posta é se vale tudo para subir na vida e a mocinha é esse contrapeso moral.
Pontos positivos? O entrosamento do elenco (com algumas exceções gritantes) e os movimentos de humanização da vilã Odete por meio da interpretação bem lapidada de Débora Bloch são alguns desses acertos.
A grande contribuição de “Vale Tudo”, porém, parece estar no comportamento do público. A novela conseguiu provocar o sentimento de coletividade de fruição que o streaming não alcança. A sensação de viver junto uma apreciação audiovisual foi devidamente vivenciada pelo público, que se unia nem que fosse para falar mal da trama no X. Ao chegar ao fim, a novela deixa o recado: o consumo de ficção ainda pode ser uma boa experiência compartilhada.
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