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Dodora, o Muro e a insistência
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Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas

Renato Abê arte e cultura

Dodora, o Muro e a insistência

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Dodora Guimarães se apaixonou por Sérvulo Esmeraldo antes mesmo de encontrá-lo pela primeira vez. Amante das artes, ela se encantou, em 1977, pelo “Monumento ao Saneamento Básico”, escultura do artista que hoje divide espaço com a Feirinha da Beira Mar. A então jovem publicitária quis investir naquela intuição amorosa, mesmo sem conhecer o homem por trás da obra.

Revisito o início da história de amor entre esses dois pilares das artes cearenses porque me comove muito o fato de uma obra pública despertar tanta atenção de um olhar apurado a ponto de essa curiosidade virar amor.

O romance idealizado por Dodora demorou a engatar, mas ela conseguiu o telefone dele, ligou, desencontrou, insistiu e paquerou. Os dois marcaram o primeiro encontro no Estoril e, a partir daquela noite na Praia de Iracema, compartilharam 37 anos de uma união que movimentou as artes no Estado.

É quase 2026, mas Dodora segue precisando insistir. Dessa vez, não para conseguir contato com um artista que a inspira, mas para garantir que a obra deste criador tenha uma mínima salvaguarda.

A manchete do portal O POVO dessa quinta-feira, 27, assinada por Líllian Santos, repórter do Vida&Arte, trouxe a informação da demolição do “Muro Cinético”. A obra pública de 1978 cercava o então Banco do Estado do Ceará (BEC), no bairro Edson Queiroz. Agora o espaço abriga o Centro Administrativo Bárbara de Alencar (Caba), complexo que abrange prédios do Governo Estadual e está sob tutela da Procuradoria Geral do Estado (PGE-CE).

Conforme detalha Líllian na reportagem, a PGE-CE explica que a demolição ocorreu pois a estrutura representava “risco de desabamento, representando perigo aos usuários da unidade administrativa, bem como aos pedestres que transitam nas calçadas da instituição”. Dodora, porém, vem lutando pelo tombamento das obras de Sérvulo justamente para que a solução não seja apenas destruí-las.

A curadora solicitou formalmente, em 2023, o tombamento de 37 obras de Sérvulo situadas em Fortaleza, Crato, Cruz e Quixadá. O pedido, porém, “segue em análise”, de acordo com a Secretaria de Cultura do Ceará (Secult-CE).

A questão é que a segurança da presença urbana do legado de Sérvulo Esmeraldo não pode mais esperar. Naturalmente, a ação do tempo vai corroer estruturas, mas a grandeza da arte pensada pelo “Menino do Crato” precisa ser cuidada a ponto de não sucumbir.

Dodora se apaixonou, de pronto, pelo recado de Sérvulo: a cidade precisa de arte. O espaço público pode abraçar as linguagens culturais e incorporá-las em seu cotidiano. Nossas cidades precisam se sensibilizar a esses rastros de artistas das gerações anteriores, assim como se atentar à produção urbana contemporânea. Durante décadas, o criador do “Muro Cinético” trabalhou para afetar a rua com arte e, mais do que nunca, precisamos defender esses símbolos.

 

Foto do Renato Abê

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