Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas
Renato Abê é jornalista, escritor e especialista em jornalismo cultural com pós-graduação em artes cênicas
A metáfora é simples: um ano novo vai chegar e, melhor do que contar com a sorte, um bom norte é escolher ir com tudo, "de corpo e alma da cabeça aos pés". Na campanha de fim de ano, a principal marca de sandálias do País brinca com frases prontas ("pé na jaca", "pé direito", "pé na estrada") para falar sobre renovação. Ou será que, na verdade, tudo é uma grande propaganda política da esquerda brasileira?
Bom, Eduardo Bolsonaro, Nikolas Ferreira, Inspetor Alberto e outros políticos de uma direita sobrevivente deste inconstante 2025 optaram por performar revolta a partir do comercial de Havaianas. Eles realmente acreditam na mensagem política do comercial? Não sabemos, mas é preciso se apegar a qualquer signo para retomar a atenção.
O ponto aqui é que esse recorte pouco efetivo da direita nacional não consegue articular discursos consistentes sem as "pautas de costume" - por mais rasas que elas sejam. A militância é reativada a partir desses ganchos que chegam a ser jocosos de tão desconexos que são. Uma leitura covarde dos fatos, eu diria.
E, após meses de derrotas, esse grupo precisa movimentar o eleitorado no WhatsApp com um inimigo em comum. Nada melhor que mais um boicote infértil para evitar falar que os mandatos de Alexandre Ramagem (PL) e de Eduardo Bolsonaro foram cassados ou que o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, foi alvo de operação da Polícia Federal, que encontrou mais de R$ 400 mil em espécie na casa do aliado de Jair Bolsonaro.
Coerente ou não, o burburinho impactou. A Alpargatas, dona da Havaianas, registrou uma perda de cerca de R$ 200 milhões em valor de mercado. Nas redes sociais, os textões e memes tomaram conta. Gente fazendo chacota, gente com explanações sobre o perigo semiótico da esquerda e tantos outros discursos dessa permanente batalha de narrativas.
O perfil oficial das sandálias apresentou um ganho de mais de 150 mil seguidores, ultrapassando a marca de 4,3 milhões. Já a concorrente Ipanema registrou um aumento de mais de 440 mil seguidores na plataforma em 24 horas. Um grande movimento que vai "do nada para lugar nenhum".
O objetivo parece ser manter o tom de radicalização na opinião pública nacional. Já vimos isso com o famigerado "kit gay", por exemplo. Por que gastar tempo olhando para as reais questões se podemos nos centrar no intangível que, de tão emblemático (uma sandália, nesse caso), pode mobilizar mais paixões?
Ecoando o texto dito pela atriz Fernanda Torres no comercial, 2026 começa com os "dois pés na jaca", mas não com uma conotação positiva de "se permitir arriscar ou se divertir". O ano chega com os dois pés na jaca da irracionalidade que põe o nível dos debates rente ao chão.
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