Esta criança militará em defesa de uma vida do homem mais em comunhão com o planeta, de uma volta à natureza. Esta criança será verde. E também vermelho intenso, azul profundo, amarelo explosivo, rosa doce, cinza tédio, marrom severo, lilás crepuscular, branco solar, preto retinto, laranja azedo e todas as cores do arco-íris (...) Esta criança vai estar acima dos estigmas e das bandeiras. Esta criança não é deste mundo, mas das estrelas. Esta criança terá mãos calejadas de quem sabe que é o real que se come, mas não negará o sonho. Esta criança semeará a estrela , mas terá os pés fincados no chão. Vejo esta criança numa paisagem. Seu signo é Virgem, seu elemento Terra.

- trechos da peça “Vice-Versa”, de Gilmar de Carvalho

Em teatro, romance, ensaios e artigos, o virginiano (de 30 de agosto/1949) Gilmar de Carvalho nos reconecta a nós mesmos enquanto povo cearense. Suas pesquisas de inúmeras áreas do conhecimento (mídia, jornalismo, publicidade, literatura, xilogravura, história, antropologia) perscrutam a construção e reconstrução de nossas identidades. E sempre a fazer conexões, sua obra incorpora diferenciados aspectos oriundos das raízes culturais que nos constituem, tecendo uma espécie de teia, de mapeamento, de cartografia, sobretudo em cultura tradicional popular, com as múltiplas expressões temáticas e de estilo.

Como dramaturgo, comunicólogo, romancista, ensaísta e articulista, Gilmar gravita em torno do que fomos, somos e queremos ser. Em sua voz ecoam vozes em metamorfose, vozes de três tempos em simbiose: o passado, o presente e o futuro. Eis a sua matéria-prima: o tempo-trio que passa e que a um só tempo nos perpassa. Mesmo quando discorre sobre uma determinada época, seu olhar tem todos os tempos o tempo todo, por ser transversal em relação à história, o que o faz reprocessar e atualizar o mito da chamada cearensidade.

Seu trabalho de pesquisador aponta para os princípios da transversalidade, transhistoricidade e transculturalidade. A entender que um historiador, assim como um artista, precisa estar simultaneamente em três lugares: atrás, ao lado e à frente de mentalidades e temporalidades. Estar atrás no sentido de manter-se sensível às adições das tradições populares, para entender a antropologia do seu povo. Estar ao lado para tornar-se antenado com a atualidade e poder, então, se fazer compreender por esse mesmo povo. E estar à frente, com o intuito de apresentar alternativas críticas à realidade, aventar hipóteses, teorias e utopias, abrindo assim trilhas para que os trans-saberes aconteçam.

Por sua efetiva e afetiva atuação o mestre Gilmar reelabora o que fomos, o que somos e o que queremos ser.

Morreu em abril de 2021. Mas, não. Vive. Viva Gilmar redivivo.

Serviço

A Dramaturgia de Gilmar de Carvalho
palestra do teatrólogo Ricardo Guilherme
mediação da jornalista Ethel de Paula

Quando: 16/setembro/2021 - 18 horas
Onde: YouTube do Centro Cultural BNB
Rua Conde d'Eu, 560.