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O que há por trás das mortes de policiais?
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

O que há por trás das mortes de policiais?

Tipo Opinião

Em plena pandemia, o Ceará assistiu a uma série de ataques cometidos contra agentes das forças de segurança do Estado. Três policiais militares da ativa e um ex-PM foram assassinados em uma semana. Há registros ainda de roubos e ataques contra PMs, policiais penais e guardas municipais. Os crimes ocorrem paralelamente a um novo processo de reordenamento das dinâmicas criminais em Fortaleza, no qual o Comando Vermelho passou a ocupar áreas até então tidas como “neutras” no mapa do tráfico de drogas. Não se via uma situação semelhante desde novembro de 2016, quando as facções declararam aberta a “temporada de caça” aos policiais.

O primeiro caso remonta ao dia 6 de junho. O subtenente Francisco Augusto da Silva, do Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope), foi vítima de um latrocínio (roubo seguido de morte) na rua Joaquim Alfredo, na Vila Manuel Sátiro. O policial saía de casa para o trabalho quando foi alvejado por três tiros. O suspeito foi monitorado com auxílio do Sistema Policial Indicativo de Abordagem (Spia) e morreu durante confronto com a polícia.

No dia 9 de junho, o ex-sargento PM Jean Charles da Silva Libório foi assassinado por dois homens na rua Padre Arimateia, também na Vila Manuel Sátiro. Em 2017, Libório foi condenado pela morte do empresário Francisco Francélio Holanda Filho e cumpria a pena em regime aberto desde setembro de 2019. O mandante do crime, o empresário iraniano Farhad Marvizi, está preso no Mato Grosso do Sul, em um presídio federal.

Há informações de que o mesmo veículo em que estavam os executores de Libório, um Gol branco, teria sido usado em uma tentativa de homicídio no dia seguinte, 10 de junho, contra um policial penal na praia de Icaraí, em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Os agressores chegaram a entrar na residência do agente, que reagiu atirando.

Na sexta-feira, dia 12, o soldado PM Daniel Campos Menezes foi morto enquanto tentava impedir que sua residência fosse assaltada. O policial tentou deter os assaltantes, mas foi baleado. Menezes estava de licença médica. O PM é acusado de ser um dos participantes da Chacina do Curió, em que onze pessoas foram assassinadas e sete ficaram feridas entre os dias 11 e 12 de novembro de 2015. Conforme a coluna apurou, não há qualquer relação entre as duas ocorrências.

Na madrugada do último dia 13, o sargento PM Nilton Cezar Vieira Lopes foi morto ao retornar para sua casa, no Jangurussu. O policial vinha em sua moto quando foi abordado por homens armados que começaram a atirar contra ele. O militar levou um tiro na perna, largou a moto e saiu correndo em direção a um matagal na tentativa de fugir de novos disparos. O sargento ainda chegou a acionar a Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops), mas foi executado no local.

No mesmo dia 13, em apenas 24 horas, um guarda municipal foi alvejado no ombro na avenida Contorno Sul, no Conjunto Esperança, durante uma tentativa de assalto. Um PM teve seu veículo roubado em frente à casa dele, no bairro Cajazeiras. Na avenida Alberto Craveiro, no bairro Dias Macedo, um oficial da
PM reagiu a tiros contra uma tentativa de assalto. No município de Santa Quitéria, um policial do Raio foi baleado ao voltar do trabalho na madrugada.

A ousadia das ações e a grande quantidade de ocorrências simultâneas indicam que essa série de ataques não seja apenas uma infeliz coincidência. Um policial civil consultado pela coluna afirma que há mais armas pesadas nas mãos dos criminosos. “Não é comum bandido peitar policial aqui, mas agora eles estão assaltando em maior número e com mais de uma arma, o que não era comum. Para o policial é o pior dos mundos porque ele vê quem está armado, mas não sabe se há mais pessoas naquele grupo com armas. Aí toma tiro e não sabe nem de onde veio”, comenta.

A situação de vulnerabilidade causada pela sobrecarga do policiamento no período do isolamento social também contribuiu para o incremento dos ataques. “As facções perceberam a fragilidade da segurança com a paralisação da PM, o baixo efetivo da Polícia Civil e, depois, por causa da pandemia, que reduziu o número de investigações e policiais nas ruas. Elas estão aproveitando o momento como uma forma de se fortalecerem”, explica o policial.

Ao mesmo tempo em que os grupos armados se fortalecem, as mortes por intervenção policial têm batido recorde durante a pandemia, tornando os conflitos ainda mais letais. O cenário futuro não é nada animador, segundo o policial: “O pagamento dos extras começou a ser liberado para as polícias civil e militar porque tem muito policial adoecendo e tirando licença. Já se sabe que está vindo uma segunda onda por aí que não é só do coronavírus, mas da violência. Os homicídios vão aumentar significativamente aqui no Ceará. Toda a comemoração que houve sobre a queda nos assassinatos vai ficar no passado mesmo, infelizmente”.

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