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As possibilidades de uma polícia antifascista
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

As possibilidades de uma polícia antifascista

Tipo Análise

A expressão "antifascista" ganhou um novo protagonismo durante a pandemia. O símbolo do movimento, formado por duas bandeiras em um círculo, ressurgiu sob os mais diversos formatos e cores em meio à discussão sobre os potenciais riscos que a nossa democracia corre. Para quem quiser saber contra quem os antifascistas lutam, recomendo o livro "Fascismo Eterno", de Umberto Eco. A besta-fera está lá muito bem descrita em suas múltiplas dimensões.

Se há profissionais antifascistas em todas as ocupações, por que não haveria também na polícia? Pois eles existem e publicaram um manifesto em junho no qual apresentam sua posição em defesa de uma democracia popular. Em um dos trechos, os policiais esboçam uma espécie de programa: "Acreditamos que o trabalhador policial deve se colocar ao lado dos demais trabalhadores no enfrentamento ao fascismo. Afinal, o projeto fascista em nosso país é um projeto de avanço no ataque aos direitos conquistados pelos trabalhadores".

O manifesto é assinado por centenas de profissionais da área de segurança que se alinham com essa luta. Vinte deles são do Ceará. A organização começou a tomar forma a partir de discussões surgidas no Rio de Janeiro e na Bahia. A representação estadual foi formada em 2017.

Na semana passada, uma reportagem do UOL revelou que o Ministério da Justiça, por meio de sua Secretaria de Operações Integradas (Seopi), vem monitorando a atuação desses policiais. O resultado dessa ação de inteligência é um dossiê com nomes, fotos e endereços de redes sociais encaminhado a diversos órgãos das administrações federal e estaduais. Há o temor de que o material possa ser usado como instrumento de perseguição e retaliação contra os profissionais.

A coluna conversou com Colombo Cirqueira, policial civil integrante do movimento. A pauta girou em torno da atuação do grupo no Ceará e o desafio de defender valores progressistas, democráticos e os direitos humanos em instituições fortemente hierarquizadas nas quais o militarismo fala mais alto e o uso da violência nem sempre ocorre de forma proporcional.

A primeira pergunta não poderia deixar de ser: É possível ser policial e antifascista? "É possível fazer diferente tanto numa atuação com base na lei e nos direitos humanos como na construção desse diálogo propositivo com a sociedade e com a categoria. Mostrar que a lei é para todos, sem distinção de raça, cor ou classe social, é o chamado do presente", afirma Cirqueira. Ainda segundo o policial, é preciso que o profissional da segurança pública compreenda os vários papéis que desempenha: funcionário responsável pela aplicação da lei, servidor público, com direitos e deveres em cada instituição a qual faz parte, cidadão e defensor dos direitos humanos.

Sobre a organização do movimento, o policial explica que uma reunião para novos membros foi realizada no início do ano. Durante o isolamento social, os encontros vêm ocorrendo de forma virtual. "Existe uma coordenação estadual reunindo vários profissionais da segurança pública que fazem parte desse grupo onde debatemos e levamos conteúdo, tais como livros e artigos para que possamos pensar e interagir a partir da ideia de segurança pública que queremos", destaca.

Questiono Cirqueira sobre as denúncias de violência policial no Brasil e nos Estados Unidos que geraram uma onda inédita de manifestações em 2020. "O constrangimento que havia por ser racista, homofóbico e misógino não só enfraqueceu como parece ter sido completamente encorajado pela atual conjuntura. Se a esquerda ficar apenas no campo do diagnóstico e do denuncismo, não vamos sair do lugar. Isso se quisermos ter alguma repercussão entre os policiais", comenta. E acrescenta: "Uma sugestão seria unir as forças existentes e politizar esse debate para construirmos um diálogo com uma marca coletiva, nunca individual, atuando na formação: por um lado na transformação cognitiva e consciente dos indivíduos e, por outro, nas mudanças dos espectros éticos, técnicos e jurídicos da atuação policial".

Pergunto sobre a possibilidade de uma ruptura democrática, tema que ganhou força chegando até mesmo a ser debatido por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Cirqueira responde: "Não seria um exagero. O movimento nacional dos policiais antifascismo lançou uma nota em defesa da democracia popular. As principais ameaças são a institucionalização e o avanço dos mecanismos de controle e repressão, que pretendem afastar toda e qualquer forma de oposição ao modelo político-jurídico-econômico neoliberal. Já começamos a ver sinais aqui no Ceará, com o Gabinete do Ódio cearense, cujas fake news são suas maiores ferramentas de atuação".

Se o cenário externo é desafiador, mudar as instituições internamente é uma tarefa urgente. Cirqueira relata como é ser um policial antifascista em meio a uma categoria profissional que apoia o bolsonarismo em peso: "É muito importante ter paciência e estar convicto dos ideais antifascistas. Este é o primeiro passo para mostrar um caminho mais plural e democrático que possa romper com as barreiras da intolerância, do racismo e do preconceito visando conquistar adeptos de uma sociedade justa e igualitária. Essa luta antifascista, principalmente dentro da cultura institucional e corporativa, é árdua e demorada, mas não impossível", acredita.

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