Logo O POVO+
Mortes, afastamentos e superação: como a Covid-19 afetou a Polícia Militar
Foto de Ricardo Moura
clique para exibir bio do colunista

Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Mortes, afastamentos e superação: como a Covid-19 afetou a Polícia Militar

O policial estava em um estabelecimento comercial quando os suspeitos entraram no local para realizar um assalto (Foto: Aurelio Alves/O POVO)
Foto: Aurelio Alves/O POVO O policial estava em um estabelecimento comercial quando os suspeitos entraram no local para realizar um assalto

Talvez uma das frases mais repetidas neste fatídico ano de 2020 tenha sido "fique em casa". Manter o isolamento social é reconhecidamente uma das estratégicas mais eficazes para se evitar a disseminação do Covid-19. Empresas e instituições reorganizaram suas rotinas no mundo todo no intuito de manter suas atividades mesmo que de forma remota. Mas quando o cerne do trabalho é estar nas ruas, em contato direto com as pessoas? Esse foi o desafio enfrentado pela Polícia Militar do Ceará durante o período mais agudo da pandemia.

Durante participação em um seminário online sobre violência, tecnologias e saúde durante a pandemia, a tenente-coronel Sandra Helena Albuquerque, coordenadora de Saúde e Assistência Social da PMCE, apresentou as ações tomadas pela corporação diante dos riscos de contágio e como a doença afetou os profissionais. Após o primeiro registro de caso confirmado de Covid no Estado, no dia 15 de março, a oficial afirma que um plano de contingência foi elaborado prevendo o estabelecimento de protocolos de higienização, redução do expediente e uso de vidros abaixados nas viaturas.

O agravamento do quadro fez com que fosse desenhado um fluxo de triagem, monitoramento dos casos e afastamento que se manteve até o dia 31 de julho. As normas do Ministério da Saúde e da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) foram balizas importantes para definição do que seria feito caso a caso. Um observatório em saúde do policial militar foi instalado em caráter de emergência para que a comunicação entre a tropa e a equipe fosse realizada da forma mais rápida e precisa possível. Por meio de mensagens no whatsapp, os militares prestavam informações sobre suas condições de saúde, bem como recebiam retorno sobre seu atendimento. Cada ligação trocada foi contabilizada. Entre março e julho, segundo dados da Coordenadoria de Saúde e Assistência Social da PM, 17.470 contatos foram travados com um universo de 6,5 mil policiais.

A segunda semana de maio foi o período mais agudo da doença. A Polícia Militar teve 1.666 policiais afastados ao mesmo tempo por apresentar algum tipo de sintoma de síndrome gripal, como: febre, dor de cabeça, dor muscular, coriza e tosse seca. Trata-se de uma redução de cerca de 8% em um efetivo que gira em torno de 22 mil pessoas. Esse número não inclui ausências por férias e licenças diversas.

Tamanho desfalque no efetivo gerou preocupação e suspeitas nos comandos sobre a necessidade de tantos afastamentos. Havia ainda o risco de que o deslocamento de policiais da capital para o interior pudesse fazer com que a contaminação se alastrasse.

Ao mesmo tempo, o decreto estadual que instaurou o isolamento social no Ceará exigiu que a PM ampliasse sua forma de atuação, fazendo com que os policiais passassem a orientar e fiscalizar comércios e locais onde houvesse aglomeração de pessoas, bem como estabelecimentos que estivessem funcionando irregularmente. O crime é previsto pelo artigo 268 do Código Penal Brasileiro: infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.

Muito devido pela sobrecarga de funções e pela redução do efetivo, abril e maio foram meses em que os índices de homicídios dispararam na comparação com o mesmo intervalo do ano anterior. A pandemia causou sérios danos à manutenção do policiamento ostensivo naquele momento.

O balanço do período revela que 1.386 casos de Covid-19 foram confirmados na Polícia Militar do Ceará. Desse total, 13 policiais morreram. Dos 974 testes rápidos realizados, 336 deram positivo. Foram emitidos 2.328 atestados médicos e 4.988 isolamentos foram contabilizados. Dos policiais que se isolaram, 65,95% permaneceram até 14 dias longe de suas atividades diárias. A média de idade dos policiais afastados ficou em torno de 36 anos. A dor de cabeça foi o sintoma mais prevalente seguida de dor no corpo e tosse. A incidência dos sintomas variou conforme a faixa etária.

Com o alívio da sobrecarga dos serviços de saúde e a diminuição na ocupação dos leitos, a equipe de monitoramento foi dissolvida. A recomendação atual é procurar o serviço de Saúde. De acordo com a oficial, visitas de orientação sobre os cuidados com a doença vêm sendo realizadas em quartéis de Fortaleza e do Interior. O objetivo agora é fazer com que os próprios policiais assumam as rédeas da prevenção por meio de um projeto intitulado "Autocuidado Suportado".

No Brasil, o percentual de mulheres policiais militares corresponde a apenas 12% do efetivo. O Ceará possui o menor índice do país (4%), segundo levantamento da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). O trabalho realizado pela tenente-coronel Sandra Helena só demonstra o quanto a corporação tem a ganhar com a presença de mais mulheres em seu efetivo.

 

Foto do Ricardo Moura

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?