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Negacionismo e armamento da população são ameaças à vida dos policiais
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Negacionismo e armamento da população são ameaças à vida dos policiais

Tipo Opinião
BOLSONARO assinou decreto sobre posse de armas em janeiro passado (Foto: Alan Santos/PR)
Foto: Alan Santos/PR BOLSONARO assinou decreto sobre posse de armas em janeiro passado

Não é segredo que o presidente Jair Bolsonaro possui ascendência sobre os profissionais de segurança — incluindo aqui policiais, vigilantes, agentes penitenciários e guardas municipais — desde a época da campanha eleitoral. O discurso de que a segurança pública e o combate à corrupção seriam prioridades convenceu muita gente de que a sensação de insegurança acabaria se o país estivesse sob uma nova direção. Na prática, porém, a categoria passou a correr riscos desnecessários sem que houvesse a contrapartida devida. Destaco duas fontes permanentes de insegurança para quem atua na área da segurança pública: o negacionismo acerca do coronavírus e a política de liberação do uso de armas de fogo.

Desde a última sexta-feira, dia 5, milhares de policiais cearenses estão nas ruas, pela segunda vez, para impedir que as pessoas se aglomerem e que estabelecimentos cujo serviço não seja essencial abram suas portas. São profissionais que estão se colocando em risco visando à promoção da saúde da população diante da maior emergência sanitária do século.

Nesta semana, o Sindicato dos Policiais Civis do Ceará cobrou a adoção de medidas de prevenção para os profissionais. A categoria pede a volta do revezamento além de prioridade na vacinação. Há claramente uma insatisfação em se expor enquanto a recomendação geral é ficar em casa.

Para quem defende a categoria, o melhor seria que as pessoas pudessem cumprir as determinações dos órgãos de saúde: uso de máscara, distanciamento social e evitar aglomerações. Quanto mais essas normas forem cumpridas, menos necessidade haverá de um isolamento social rígido. A persistência da pandemia e seu agravamento, contudo, são resultados de um movimento negacionista que teima em descumprir tudo o que a ciência prescreve sobre o assunto.

Em vez de fortalecer a campanha em torno da aquisição de vacinas, algumas lideranças políticas ligadas aos policiais atuam propagando desinformação. Quem sofre na pele os danos dessa cegueira ideológica são justamente as pessoas representadas por tais porta-vozes. A título de exemplo, dois inspetores da Polícia Civil morreram de Covid-19 recentemente. Quantos mais precisam perecer?

Uma segunda fonte de riscos é a liberação indiscriminada de armas de fogos. Quando se observa o plano de campanha do Governo Federal, é possível notar, desde aquele momento, que a segurança pública ocuparia um espaço reduzido nas políticas públicas. Das oito propostas destacadas (slide 32), apenas duas fazem menção direta aos profissionais. O primeiro fala em "Investir fortemente em equipamentos, tecnologia, inteligência e capacidade investigativa das forças policiais" enquanto o segundo versa sobre o excludente de ilicitude: "Policiais precisam ter certeza de que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica".

Os investimentos previstos ainda não vieram, pelo menos não na proporção esperada. A implementação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), iniciada no Governo Temer, anda a passos de tartaruga. Trata-se de uma legislação bastante avançada que visa integrar e potencializar as forças de segurança, gerando resultados efetivos. Para quem atua na área, deveria ser a prioridade número zero do Governo Federal, mas quase não vemos cobranças nesse sentido.

Sem melhoria nas condições de trabalho e maior investimento na capacitação profissional, o excludente de ilicitude se torna um meio de fazer populismo em torno de uma situação-limite da atividade policial. Quanto mais treinadas e preparadas, menos letais as forças de segurança são. É uma evidência apontada em diversos estudos sobre o assunto. A PM de São Paulo, por exemplo, vem investindo em treinamentos visando à redução da letalidade policial com resultados muito promissores, como já mostrado nesta coluna.

Da lista de promessas, apenas a que previa a reformulação do "Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à LEGÍTIMA DEFESA sua (sic), de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros" avançou, mas muito à base da publicação de decretos. Dotar a população de armas de fogo de maneira irrestrita não parece ser uma estratégia muito inteligente em um país no qual o número de homicídios chega a 43 mil por ano.

O mais sensato seria justamente tirar de circulação o arsenal já existente e fortalecer os sistemas de controle, monitoramento e rastreamento de armas de fogo e munições. A correlação entre leis mais flexíveis e aumento nos assassinatos é mais do que comprovada. Além disso, o ônus da liberação do armamento recairá primordialmente nas policias estaduais, que têm como atribuição o policiamento ostensivo. Infelizmente, parece que será preciso assistirmos à multiplicação de casos de policiais sendo alvejados durante abordagens cotidianas para que se perceba o caráter danoso dessa medida.

Ainda há tempo de mudar esse cenário, fazendo com que o sistema de segurança pública seja fortalecido e seus profissionais, valorizados. É preciso, no entanto, que os agentes se percebam como trabalhadores e não como mártires de uma luta ideológica entre o bem e o mal. Há muita gente lucrando política e economicamente com essa situação. E não são os profissionais da segurança que arriscam suas vidas
diariamente nas ruas.

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