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Os riscos de uma política Frankenstein na segurança pública
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Os riscos de uma política Frankenstein na segurança pública

Sem integração e articulação, as peças não se encaixam e o que poderia ser um exemplo de governança eficiente pode se transformar em uma política pública do tipo Frankenstein: remendada, confusa e que em algum momento se voltará contra seu criador

Fevereiro de 2018. Em meio a uma onda de homicídios sem precedentes no Ceará, o então secretário de Segurança Pública, delegado André Costa, instalou um contêiner da Polícia Militar na comunidade do Gereba, no bairro Jangurussu. O local foi escolhido por ser uma das áreas mais violentas de Fortaleza além de estar próximo à sede da facção Guardiões do Estado (GDE).

A presença ostensiva do Estado em um território com pouquíssima atuação do poder público gerou resultados de forma rápida: os indicadores de criminalidade caíram e os assassinatos recuaram. O sucesso do projeto-piloto fez com que novas bases se multiplicassem e a iniciativa ganhasse um nome: Programa de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger). Conforme levantamento recente publicado no site da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), Fortaleza e Região Metropolitana da Capital contam com 31 bases territoriais.

Se na prática o Proteger se mostrava eficaz, em termos de desenho institucional deixava a desejar. Somente em junho do ano passado, a SSPDS publicou, no Diário Oficial do Estado, a portaria que criava o programa. O foco seria a "efetivação do direito à segurança dos moradores de comunidades urbanística e socioeconomicamente vulneráveis", que passaram a ser denominadas como Áreas Críticas de Interesse da Segurança Pública (ACISP).

Na semana passada, foi encaminhado à Assembleia Legislativa um projeto de lei que transforma o Proteger em política pública estruturante e estratégica. Dentre os objetivos do programa, em seus territórios de atuação, destacam-se: a) Reduzir os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI); b) Identificar e reduzir atos de coerção ilegítima exercida por grupos criminosos; c) Fortalecer a comunicação entre o poder público e os moradores; e d) Fomentar, facilitar e acompanhar a oferta ou a expansão de políticas públicas transversais de cunho social, econômico ou urbanístico.

A transformação do Proteger em uma política pública, contudo, acarreta uma série de consequências às demais ações governamentais na segurança pública. Como o programa se insere no desenho institucional das Unidades Integradas de Segurança (Uniseg), cuja proposta é justamente desenvolver programas preventivos especializados voltados à mediação de conflitos e redução de vulnerabilidades?

Como o Proteger deverá se integrar ao Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência (PReVio), também do Governo do Estado? A expansão do Ceará Pacífico teve um crédito de R$ 290 milhões aprovados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Seu objetivo geral é "qualificar a atuação governamental na realização de ações de prevenção social e segurança pública, na perspectiva de redução de vulnerabilidades e de violências, no prazo de cinco anos, para públicos específicos". Dentre os pilares de atuação do PReVio constam a prevenção social da violência, a modernização policial, e a prevenção da reincidência infracional em adolescentes.

Fontes ouvidas pela coluna se queixam do caráter fragmentado e da falta de integração. Um oficial PM cobra maior articulação. "É importante incluir o Proteger no interior do Ceará Pacífico, bem como as demais secretarias na etapa das políticas intersetoriais. Se isso não for feito, vão ficar só os projetos desenvolvidos pela Polícia Militar, sem qualquer recurso, só na base do voluntarismo. O governador precisa de uma articulação de assuntos estratégicos", argumenta. O policial afirma que chegou a ser cogitada a inclusão da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), órgão responsável pelo Proteger, à Vice-Governadoria, mas a proposta não foi adiante.

Um policial civil critica a falta de participação social na tomada de decisões: "A gente fica só recebendo esses projetos, essas ideias. É a torre do Moroni, o contêiner do André Costa, o Ronda do Cid. A gente pouco participa. Não somos chamados para sermos ouvidos: a sociedade, as entidades associativas, os sindicatos, as universidades".

As cobranças demonstram uma certa indefinição na condução da política de segurança no Estado. É preciso que os parlamentares debatam esse projeto de lei com atenção na AL. O conceito de um "Ceará Pacífico" não pode suprimir as especificidades e a autonomia dos programas já existentes. Sem integração e articulação, as peças não se encaixam e o que poderia ser um exemplo de governança eficiente pode se transformar em uma política pública do tipo Frankenstein: remendada, confusa e que em algum momento se voltará contra seu criador.

 

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