Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Desde fevereiro, as estatísticas mensais sobre homicídios no Ceará vêm sendo saudadas pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) nas redes sociais como um bom exemplo de atuação dos órgãos de segurança. A boa notícia era o fato de os números da violência letal em 2021 serem menores que os do ano passado, embora ainda sejam levemente superiores aos registrados em 2019.
As estatísticas do mês de agosto, contudo, interromperam essa tendência de queda nos assassinatos no Ceará na comparação com o ano passado. Em relação a agosto de 2020, os crimes violentos letais intencionais (CVLI) - indicador que reúne homicídios, latrocínios (roubo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e feminicídio - aumentaram 8%. Em 2021, somente janeiro havia superado o mesmo mês do ano anterior em se tratando de violência letal.
O cenário que se descortina pela frente não é auspicioso. Os primeiros quinze dias de setembro já são superiores em homicídios aos quinze primeiros dias de agosto, indicando que a onda de violência é ascendente. Os assassinatos múltiplos se sucedem, em especial na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Nesse fim de semana, o Ceará registrou mais uma chacina: quatro jovens do sexo masculino foram executados na zona rural do município de Chorozinho.
Mãe, filho e nora foram assassinados enquanto dormiam no bairro Baixa Grande, em Aquiraz, na quinta-feira passada, dia 16, enquanto um casal e um bebê de cerca de um ano foram cruelmente executados na localidade de Catu, em Horizonte, durante o feriado de Independência. Conforme relatos dos moradores, a mãe amamentava a criança quando foi morta.
Logo no início dos conflitos entre facções, as vítimas eram mutiladas como forma de espalhar pânico entre a população. A estratégia, contudo, perdeu seu efeito ao se banalizar. O que se vê mais recentemente é a eliminação de núcleos familiares inteiros por grupos criminosos. A mensagem é clara: ninguém está a salvo, nenhuma vida humana merece respeito. Só isso explica o fato de os alvos das execuções terem se ampliado da forma como estamos presenciando.
Há uma diferença entre a violência objetiva e a sensação de insegurança. Nem sempre ambas caminham conjuntamente. A impressão que fica é a de que falar de homicídios já não interessa mais a tanta gente como antes, embora os números permaneçam elevados. De certa forma, naturalizamos essa questão, tornando-a meramente um fato crônico, uma parte integrante de nossa paisagem social.
Existe um limite para a nossa atenção. O fato de as mortes se espraiarem pelas periferias e por cidades da região metropolitana contribui para que o debate sobre segurança pública não seja tão tematizado pelos principais meios de comunicação do Estado. A proximidade é fator de interesse e vice-versa. A morte de um Outro que nos seja distante não nos desperta tanta empatia assim. É preciso que haja mais elementos que possam nos conectar a esse drama. É aí que entram os assassinatos de famílias inteiras. Como ficar indiferente à morte de um bebê pelo crime organizado?
Em outra frente, a onipresença da pandemia do Coronavírus no noticiário deixa pouco espaço para assuntos já conhecidos nossos e, por vezes, muito repisados. No nosso imaginário social, os assassinatos parecem ter entrado no campo do sem jeito, haja vista, de acordo com o discurso cínico que circula de forma indiscriminada, só os "vagabundos" morrem nessa guerra.
Mesmo com toda nossa desatenção, as chacinas teimam em persistir com as disputas entre as facções assumindo novas configurações e territórios. Embora resida longe da capital e não conte com tanto interesse da mídia, a população da região metropolitana se vê cada vez mais refém de uma situação de insegurança extrema.
O momento atual exige ações coordenadas e protagonismo das prefeituras. A proposta de uma segurança pública municipal nunca se fez tão necessária. Com o avanço da imunização, não se falará tanto da Covid-19 nos próximos meses. Não será mais tão simples ao poder público esconder a nossa epidemia de assassinatos debaixo do tapete. Alguma coisa terá de ser feita.
Crimes Violentos Letais Intencionais - Ceará
2020 2021
Janeiro 265 306
Fevereiro 459 250
Março 359 249
Abril 439 275
Maio 365 244
Junho 358 275
Julho 297 263
Agosto 260 281
Fonte: SSPDS-CE
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