Logo O POVO+
O que pensam os homens que agridem mulheres?
Foto de Ricardo Moura
clique para exibir bio do colunista

Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

O que pensam os homens que agridem mulheres?

.
Tipo Análise

O feminicídio seguido de homicídio da vereadora Yanny Brena, ocorrido em Juazeiro do Norte, chocou a sociedade e ganhou repercussão nacional. A forma ritualista como o crime foi cometido e o fato de o autor do assassinato ter sido o namorado da parlamentar são elementos que tornam o episódio ainda mais dramático. O deputado estadual Yuri do Paredão, irmão da vítima, posicionou-se sobre o caso em suas redes sociais: "Minha maior meta agora será combater o feminicídio. Dou a minha palavra que lutarei para que a dor que sinto agora não seja sentida por outras mães, outros pais e outros irmãos".

Não será uma tarefa simples, contudo, haja vista tratar-se de uma prática recorrente e antiga: desde 2018, os municípios do Cariri contabilizam 27 registros oficiais de feminicídio. Antes disso, no começo do século, uma série de assassinatos cruéis cometidos contra mulheres por uma organização criminosa conhecida como "Escritório do Crime" projetou a violência de gênero da região para além dos limites territoriais, tornando-se objeto até mesmo de uma CPI.

A vendedora de joias Telma de Souza Lima, primeira vítima do Escritório do Crime, foi estuprada, amordaçada e estrangulada no dia 25 de maio de 2001. Ela mantinha um relacionamento amoroso com o líder da quadrilha e foi vítima de feminicídio em uma época na qual esse termo ainda não era reconhecido legalmente. Em pouco menos de um ano, entre maio de 2001 e março de 2002, mais seis mulheres foram assassinadas por motivos diversos, mas sempre com um elevado grau de perversidade.

Passados tantos anos, ainda existem processos judiciais inconclusos sobre os assassinatos. Enquanto os responsáveis permanecem impunes, as vítimas têm sua honra manchada postumamente por acusações de "conivência" com os próprios autores, em uma clara tentativa de torná-las culpadas pela violência que sofreram.

Qual o substrato psicológico e cultural que dá suporte a tantos casos de violência? Fiz essa pergunta à assistente social Emmanuelle Vasconcelos, coordenadora do Projeto das Marias - criado em 2020 pela Prefeitura de Juazeiro do Norte - que visa à mudança dessa realidade tão adversa.

Um dos eixos de atuação do projeto é voltado aos agressores: homens que respondem à Lei Maria da Penha participam de 10 sessões reflexivas como cumprimento de uma medida protetiva ou pena determinada pelo juiz. O perfil dos atendidos é diverso: há homens com graduação, especialização, sem estudo, com renda elevada e desempregado.

Em comum a todas essas trajetórias, destacam-se o ciúme e o sentimento de posse. "Em 90% dos casos que atendemos, os homens não estão mais com a mulher. Isso sinaliza que a violência vai acontecer justamente no momento de rompimento dessa relação conjugal e a não-aceitação disso. Foi justamente o que a gente viu na morte da vereadora aqui em Juazeiro do Norte. A violência afeta não só a mulher rica como a mulher pobre. Ela está entranhada e não distingue classe social", revela a assistente social.

Quando pergunto pela motivação de tais crimes, a resposta se torna mais complexa. De acordo com Emmanuelle Vasconcelos, os participantes do projeto não se entendem na condição de agressores e de terem praticado a violência. "Cerca de 90% dos homens atendidos não possuem antecedentes criminais. Eles não entendem o porquê de estar ali respondendo a uma situação de Lei Maria da Penha e não se veem na posição de praticantes da violência. Pelo contrário: eles se veem na condição de vítimas por diversos fatores".

Essa falta de compreensão pode ser explicada pela diferenciação feita pelos agressores entre o crime comum e os atos de violência cometidos dentro de casa, vistos como algo natural. "A violência está de tal modo entranhada que eles não compreendem outros tipos de violência além da física. Muitos dizem que não bateram na mulher nem com uma flor, mas o histórico mostra que as violências eram cotidianas como xingamentos, violências psicológicas e o controle sobre os corpos das mulheres", acrescenta.

A escuta dos agressores mostra o quanto o combate ao feminicídio é complexo.

Sei de relatos de homens agressores que são cordatos e afetuosos no dia a dia. São pais de menina e, ainda assim, não pensam duas vezes na hora de agredir covardemente suas companheiras pelos motivos mais fúteis. Andam impunes pelos cantos, brincam carnaval e são ótimos colegas de trabalho. O agente da violência nem sempre é um monstro. É aí onde reside a maior dificuldade: como desnaturalizar práticas tão arraigadas, como fazer com que os sujeitos da violência se vejam como tais?

Para além da repressão qualificada, é preciso haver uma campanha continuada de esclarecimento e formação sobre os diversos tipos de violência na sociedade. A misoginia tem de ser erradicada ainda cedo entre os meninos e as escolas possuem um papel fundamental nisso. Educar para a igualdade de gênero é tão importante quanto ensinar bem as demais disciplinas escolares. Essa é uma tarefa de nossa geração e, principalmente, de nós que somos homens. Não temos o direito de ser omissos.

Leia mais nas páginas 6 e 7

Foto do Ricardo Moura

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?