Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Em uma coluna publicada em outubro de 2015, com o título "A tempestade perfeita", abordei um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que apontava sete fatores para o aumento no número de assassinatos: efetivo policial, taxa de encarceramento, percentual de jovens na população, drogas ilícitas, armas de fogo, renda per capita e desigualdade. A pesquisa demonstrava que os estados que haviam puxado os índices de violência para cima, nas décadas de 1980 e 1990, apresentaram melhorias na maioria desses indicadores, fazendo com que suas taxas de homicídios caíssem.
O Ceará, por sua vez, registrou resultados favoráveis em apenas dois índices dos sete elencados no período: renda per capita e diminuição da desigualdade. Não por acaso, a violência letal explodiu no Estado no início dos anos 2000. As melhorias nas condições socioeconômicas não vieram seguidas de ações mais contundentes e sistemáticas no sistema de justiça criminal. Pelo contrário, delegacias no interior foram fechadas e o efetivo da Polícia Civil estagnou.
Ao mesmo tempo, o Ceará inseriu-se definitivamente na rota do tráfico internacional de drogas, ampliando a circulação de armas de fogos e entorpecentes em seu território. A essa condição dei o nome de "tempestade perfeita", ou seja, uma rara combinação de fatores que fizeram com que o Estado passasse a ocupar as primeiras colocações no ranking nacional de assassinatos. Os efeitos perversos desse arranjo foram sentidos por mais de uma década, sendo agravados com a reorganização do crime no Ceará a partir da atuação das facções.
Durante o auge da pandemia do Coronavírus, a violência letal permaneceu como um desafio aos órgãos de segurança, haja vista a sobrecarga sobre o policiamento ostensivo causada pelas medidas de isolamento social e as disputas por territórios entre as duas principais organizações criminosas atuantes no Estado. Passado esse período mais conturbado, no entanto, os números de homicídios começaram a oscilar para baixo, aproximando-se aos de 2019, o ano menos violento da última década, com 2.257 crimes violentos letais intencionais (CVLI) registrados.
Com 728 homicídios, o primeiro trimestre de 2023 é o menos violento desde o mesmo período de 2019. Embora ainda não tenha terminado, o mês de abril também possui tendência de queda na comparação com o mesmo mês do ano passado. A possibilidade de manutenção dessa curva decrescente, em se tratando de homicídios, seria um sinal de que a "tempestade perfeita" finalmente chegou ao seu fim?
Ainda é cedo para cravar isso, mas alguns dados são promissores. Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que esse fenômeno de redução dos assassinatos não se restringe apenas ao Ceará. Dados do Monitor da Violência, do G1, revelam que os homicídios em todo o Brasil caíram 1% em 2022 na comparação com o ano anterior. Foram contabilizadas 40,8 mil mortes violentas, o menor número da série histórica compilada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública desde 2007.
Dos indicadores abordados no estudo do Ipea é possível perceber que os estados vêm cumprindo alguns deles, em especial os que dizem respeito à ampliação dos investimentos em segurança pública, tanto na ampliação do efetivo quanto na aquisição de equipamentos, bem como no incremento na taxa de encarceramento. O Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado em 2018, tem sido um aliado importante para os governadores nesse aspecto. Embora a gestão da segurança ocorra em nível estadual é fundamental que o Governo Federal garanta o envio dos recursos.
Além disso, o percentual de jovens na população geral vem diminuindo. A violência letal no Ceará é eminentemente jovem e do sexo masculino. À medida em que a população envelhece, os assassinatos tendem a cair. Um obstáculo para que essa queda ocorra de forma sustentada é a quantidade de adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social e econômica. Dados do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) revelam que, em 2022, 28% dos jovens entre 15 e 29 anos não estudavam e nem trabalhavam. Trata-se de um desafio geracional cuja solução exige políticas intersetoriais que passam ao largo da repressão policial.
A "profissionalização" do crime organizado, por sua vez, contribui para que o funcionamento do tráfico ocorra de forma "mais eficiente, menos custoso e menos truculento", conforme análise de Bruno Paes Manso, pesquisador da Rede de Observatórios da Segurança e do NEV/USP. O indicador relativo às armas de fogo, por sua vez, é preocupante. A desregulamentação do acesso e do porte ocorrida nos últimos quatro anos ampliou sobremaneira a presença dos armamentos na sociedade. Os efeitos dessa política podem ser vistos nos assassinatos por motivos banais e no incremento dos casos de feminicídios. No plano geral, a tendência é de queda nos assassinatos, mas o perfil das vítimas vem mudando. A tempestade pode estar cedendo, mas ainda há nuvens cinzas no horizonte.
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