Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Gerir a segurança pública é também gerir a percepção de segurança da população. Não basta apenas investir em equipamentos, formar o efetivo e traçar estratégias de atuação das polícias. É preciso saber lidar com o sentimento de medo causado pelos relatos sobre a violência e a criminalidade. Tanto isso é verdade que a queda nos índices criminais não se traduz necessariamente em um sentimento de estar mais seguro. Experiências negativas próximas, ainda que de menor gravidade, falam mais alto que as estatísticas.
Em meio a isso, os governos podem assumir diversas posturas. O que se vê de forma mais disseminada é uma aposta no esquecimento diante da enxurrada de notícias que se avolumam no dia a dia. Na ânsia de nos mantermos atualizados, fica difícil prestar atenção sobre ocorrências que não nos afetam tão diretamente. As reportagens sobre crimes, que se desdobravam como uma novela por dias, mal passam do capítulo dois na atualidade. Não cabem mais na velocidade de apreensão de um vídeo do Tik Tok.
Há um componente ligado à própria produção jornalística nessa equação. As redações têm cada vez menos gente e os programas policiais de TV foram extintos, em sua maioria. Embora servissem de plataforma para profissionais midiáticos, não deixavam de funcionar como uma fresta para que o público pudesse adentrar no hermético mundo das forças de segurança.
Cobrir um assunto tão complexo como segurança pública exige pessoal qualificado, tempo e muita sola de sapato. Depender apenas de uma cobertura remota, mediada por aplicativos móveis, é uma vantagem para quem não deseja que determinada matéria ganhe ampla divulgação. Por sua vez, as assessorias, hoje, tornaram-se verdadeiras produtoras de conteúdo. Basta olhar os portais oficiais para se ter uma dimensão de quanto a polícia trabalha. Tudo isso pelo viés da própria polícia, é verdade. Mas onde entra o interesse da sociedade nisso tudo? Ou ela não se interessa mais por assuntos espinhosos e faz de conta que eles não existem? A tentativa de controle sobre a narrativa da segurança pública não passa somente pela forma como o governo lida com os meios de comunicação, mas pela abertura dada à produção acadêmica. Propor um debate com pesquisadores do tema não é uma tarefa tranquila. Os estudiosos trazem análises e resultados incômodos, jogam luz em debilidades institucionais e arranham o painel publicitário no qual se pode ler "está tudo indo bem, povo cearense". Essa troca, contudo, é fundamental. Apropriar-se do que é produzido na universidade faz com que o gestor vá além dos dados e relatos coletados pelos seus próprios subordinados na compreensão das ocorrências criminais e do que é constituído socialmente como "violência".
No entanto, a postura quase sempre é de desconfiança e de aversão. A "turma dos laboratórios" fala demais, é crítica demais. Melhor não manter contato. "Deixa eles" pregando no deserto. O Ceará é um dos estados que mais produzem conhecimentos sobre o tema no país, possuindo uma massa crítica muito vasta sobre violência e criminalidade. Soa no mínimo uma arrogância do poder público não levar toda essa produção em consideração ainda que seja para contestá-la ou contra-argumentar em relação a algumas questões.
A crítica usual dos agentes de segurança é que os pesquisadores "não conhecem a realidade das egurança e escrevem sobre o assunto em seus escritórios". Dizem isso como se nossos interlocutores não fossem os próprios profissionais de segurança. Em vez do diálogo, preferem criar seus próprios centros de produção de dados, um espaço refratário a tudo que seja má notícia. Nem sempre foi assim e não é preciso que seja.
Em estados vizinhos como o Piauí, a interação entre os órgãos de segurança e a universidade ocorre de forma produtiva, com cada lado sabendo qual é seu papel. A crítica é constitutiva do fazer acadêmico, é intrínseca a ele. O trabalho dos agentes é sempre realizado no quente dos acontecimentos, necessitando de tomadas de decisão rápidas. São atividades distintas que podem se complementar.
Na semana que vem, entre os dias 14 e 16 de junho, o Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará (UFC) sediará o I Seminário de Pesquisa sobre Violência no Ceará. Eu, se fosse gestor da segurança, daria uma passada lá.
Quem pesquisa e quem reporta na área da segurança pública possui uma tarefa ética fundamental: fazer com que o sofrimento das vítimas não seja esquecido a fim de que a justiça possa prevalecer. É um trabalho árduo e incômodo. Muito ganha quem se cala sobre o fato de o rei estar nu, mas é necessário cobrar o poder público pelas suas promessas e pelos seus silêncios. Por falar nisso, o que foi feito da proposta de instalação de câmeras corporais nos policiais penais ainda em fevereiro? Que medidas o Governo do Estado do Ceará irá tomar após a maior chacina cometida contra policiais de sua história?
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