Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
No capitalismo, os empreendimentos precisam estar sempre em expansão: seja por meio da conquista de novos territórios seja pela ampliação do mercado consumidor. Estagnação, nesse contexto, é sinônimo de morte. Isso é ainda mais verdade quando existe uma concorrência acirrada oferecendo os mesmos produtos às mesmas pessoas.
Manter estruturas comerciais de porte elevado, é uma atividade custosa sob os mais diversos aspectos. Alinhar as cadeias de comando, garantir o fornecimento dos materiais e gerenciar os recursos humanos e materiais não são tarefas fáceis. Não à toa, grandes empresas optam por dividir seus negócios em ramos menores, fragmentando sua produção em pequenos fornecedores que atuam de forma articulada, com maior autonomia e sob demanda.
A introdução desta coluna certamente causa estranheza. Quem se aventura a ler um artigo sobre segurança pública deve estar pensando que virou a página errada ou clicou no link incorreto. No entanto, é impossível compreender o funcionamento das organizações criminosas sem estabelecer um paralelo entre elas e o modo de produção capitalista. Há diferenças, por certo, mas o tráfico de entorpecentes é um negócio como qualquer outro, estando, portanto, sujeito às leis do Capital.
Os ataques ocorridos na semana passada, nos bairros Pirambu e Carlito Pamplona, são uma mostra de como as facções lidam com esses conceitos no cotidiano. Na disputa concorrencial entre organizações criminais, a violência é um recurso sempre disponível para ser utilizado. Além disso, não há qualquer espécie de legislação que ampare os usuários. Trata-se de um confronto brutal por territórios e mercados visando sempre a expansão daquele empreendimento.
Duas facções disputavam a hegemonia no estado do Ceará até bem pouco tempo: o Comando Vermelho (CV) e o Guardiões do Estado (GDE). Mudanças profundas na gestão do sistema prisional, bem como operações que desarticularam lideranças, primeiramente da GDE e, em seguida, do CV, enfraqueceram os dois grupos.
Como não há vácuo na política e muito menos no crime, esse momento de instabilidade na organização criminosa foi aproveitado por dissidências como a do Comando da Laje, no município de Caucaia. Um salve (mensagem usada pelos grupos para ditarem suas ordens) assinado por membros do CV revelou que eles estavam se desfiliando do grupo e se tornando "neutros", nome dado a quem não se filia a nenhuma das duas principais facções do Estado.
Os "neutros", conhecidos também como Massa Carcerária e Tudo Neutro (TDN), representam a grande novidade no mercado das drogas do Ceará. Voltando ao começo do texto, seus integrantes precisam de dois componentes para se expandir: território e usuários. Como viabilizar essa expansão diante de um cenário já dominado por outros dois atores? Por meio da guerra e do conflito aberto.
Os criminosos atearam fogos em veículos em uma das vias mais movimentadas de Fortaleza. Os ataques causaram pânico na população, aulas foram suspensas e o comércio fechou suas portas. Conforme a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), os carros incinerados tiveram como objetivo desviar o foco da polícia para que os neutros pudessem invadir um território dominado pelo CV. O suposto mentor dos atentados foi preso.
Há um fator que merece ser investigado. Até agora falamos sobre as dinâmicas criminais no interior de um único Estado. Drogas e armas, como todo mundo sabe, não são obtidas em solo cearense. Vêm de fora por meio de rotas diversas. Em fevereiro, circularam rumores de que o Primeiro Comando da Capital (PCC) estaria financiando os neutros a fim de fomentar um desgaste com suas facções de origem. Mais uma vez essa suposta ligação foi ressaltada durante os ataques da semana passada.
Em âmbito nacional, PCC e CV são concorrentes. No Ceará, houve uma aliança do PCC com a GDE logo no nascedouro do grupo criminoso cearense. Ao contrário de seus rivais, o Primeiro Comando da Capital prefere atuar na operação do negócio em si e não de forma territorializada. É preciso investigar o grau e a extensão desse apoio prestado aos neutros, cuja área de atuação vem sendo ampliada a olhos vistos.
Um aspecto importante em todo esse cenário diz respeito ao exército de reserva disposto a cerrar fileiras em torno dessas organizações. A boca do funil para quem entra no mundo do crime ainda é bastante larga. Há muitos adolescentes e jovens dispostos a enveredar por caminho ou serem cooptados pelas facções. Sem que haja um trabalho eficaz de prevenção e de abertura de portas de saída para quem ingressou, de nada vai adiantar as ações de repressão dos órgãos de segurança. A fábrica do crime pode sofrer influxos, mas ela não cessa de produzir novos braços armados.
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