Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Com 255 assassinatos registrados, agosto foi o primeiro mês de 2023 a superar os indicadores de crimes de violência letal intencional (CVLI) na comparação com o mesmo mês no ano passado, que contabilizou 250 ocorrências. O número acende um alerta sobre a possibilidade de que a curva descendente de homicídios no Ceará, que se mantém desde 2021, possa alterar sua trajetória.
Os registros de CVLI no mês de setembro, contudo, ainda não apontam para essa possibilidade. Se, no quadro geral, é possível afirmar que a situação se mantém estabilizada, sem maiores sobressaltos, é nas entrelinhas que o temor do recrudescimento da violência letal no Estado ganha fôlego.
Como bem demonstrou uma reportagem publicada semana passada no OPOVO, o crime organizado no Estado atravessa um momento de reorganização interna extremamente violento com todas as consequências humanitárias de um processo como esse, com pessoas sendo expulsas de suas casas e assassinatos múltiplos.
A emergência da Massa como uma organização criminosa capaz de rivalizar com o Comando Vermelho na disputa por territórios reconfigura o quadro de estabilidade que existia a partir de uma posição mais hegemônica do CV. Essa tentativa de insurgência tem início há mais tempo quando da origem do Comando da Laje, em Caucaia. As fissuras iniciais logo se tornaram rachaduras de grande extensão em uma organização que ficou muito grande e poderosa após o declínio dos Guardiões do Estado (GDE).
Como acontece para que haja um incêndio, no entanto, é preciso que alguns vetores estejam presentes para que uma guerra entre facções aconteça: recursos financeiros e armas de fogo estão entre eles. A possibilidade que o Primeiro Comando da Capital (PCC) financie ações da Massa explica o poderio do grupo e sua crescente capilaridade.
A busca por mercados e territórios emula a lógica do Capital, que precisa estar sempre em expansão contínua. A ideia de um monopólio é desinteressante para os rivais do CV. Daí a necessidade de que a guerra nunca se acabe. A experiência recente mostra que conflitos entre facções rivais e dissidências provocam picos de violência letal nas comunidades. É quando a situação fica "inflamada", conforme expressão usada pelos moradores. Em circunstâncias assim, há uma espiral de crimes motivada pela vingança e contendas territoriais. Recentemente, vivemos dois períodos bastante "inflamados": em 2017 e em 2020, no ápice da pandemia do coronavírus.
Os casos recentes de chacinas e tentativas de chacinas, ocorridos particularmente na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), o epicentro desse novo movimento de reordenamento do crime, são um forte indício de que estamos assistindo a uma nova escalada da violência no Ceará.
Em apenas duas semanas, Caucaia contabiliza sete pessoas mortas e nove baleadas por causa de confrontos entre organizações criminosas. Em Maracanaú, quatro pessoas foram alvejadas em uma tentativa de chacina. Um homem morreu. Na última quarta-feira, dia 21, uma mulher foi assassinada após deixar a filha na escola, na Vila Manoel Sátiro. Há informações de que ela integrava o Comando Vermelho e havia sido "decretada" de morte.
Na madrugada dessa mesma quarta, Luiz Xavier de Lima Filho, 34, conhecido como Chuck, foi rendido e executado por homens encapuzados, no bairro Bom Jardim. Ele era apontado como líder de uma organização criminosa que dominava aquela região. O assassinato foi registrado por uma câmera de segurança.
A forma como o homem foi levado, sem resistência, aponta para a possibilidade de ter sido entregue pelo próprio grupo a que pertencia. Sete homens vestidos com camisas pretas e balaclavas levam a vítima até os fundos de um imóvel e metralham o corpo. As imagens destoam do imaginário dos integrantes de facções, remetendo a uma ação organizada por um grupo de extermínio. Caso isso seja confirmado, trata-se de mais um fator de instabilidade em meio a um cenário que já é conflituoso por si.
O governador Elmano de Freitas (PT) já tem a dimensão da gravidade do cenário. Em entrevista ao OPOVO, ele se mostrou preocupado com os episódios recentes de violência letal no Estado. "Estaremos evidentemente tomando providências para que não se alastre e tenhamos uma guerra instalada, porque no meio disso fica o cidadão correndo risco grande", argumenta.
Há um elemento a favor dos órgãos de segurança quando se trata de facções: elas não são mais um fator surpresa. O grau de conhecimento sobre como elas funcionam e se organizam permitem uma ação preventiva mais eficaz. No entanto, com o surgimento de novos atores, todo esse trabalho precisa ser refeito. É a aplicação desse aprendizado que dará a dimensão da incidência da repressão estatal na capacidade de a Massa se tornar uma organização tão ou mais poderosa quanto o CV no mercado das drogas. Enquanto isso, estaremos todos em uma condição de reféns em potencial de uma nova guerra iminente.
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