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A importância da mobilidade para a segurança
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

A importância da mobilidade para a segurança

Para o desespero do formulador de políticas públicas, a sensação de segurança é um sentimento que não necessariamente aumenta quando os índices de criminalidade diminuem.
Tipo Análise
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Quem se debruça sobre os estudos e pesquisas acerca da violência e da criminalidade por vezes tem de se deparar com grandes números: são milhares de roubos na região metropolitana, centenas de assassinatos no interior, dezenas de latrocínio no Estado como um todo... Estabelecer um ponto de corte sobre prioridades é um passo fundamental, haja vista que os recursos, tanto materiais quanto humanos, são finitos.


Por causa disso, os homicídios são comumente utilizados como meta e parâmetro de avaliação das políticas de segurança. Contribui para essa escolha o fato de o assassinato ser um indicador bastante objetivo, afinal a unidade do registro é a própria materialidade do corpo humano. Além disso, trata-se da perda do maior bem que temos, ou seja, a vida. Nada pode ser mais importante que isso.


As causas que levam uma pessoa a matar outra, contudo, são bastante diversas: vão desde desavenças entre membros de grupos criminosos rivais a uma briga de vizinhos pelo motivo mais banal. Reconstituir esses meandros é tarefa da polícia judiciária, que se vê diariamente tendo de lidar com um acúmulo de ocorrências, dificultando a imersão em um caso específico. Se essa dificuldade é pertinente quando se trata de uma vida, imagine a complexidade do cálculo para se definir uma linha de análise explicativa de
uma cidade ou de um Estado?


A pergunta que mais ouço ser feita pela imprensa é também a mais difícil de responder: quais as causas para tantos assassinatos e o que fazer diante disso? A resposta a essa questão é cotidiana, precária e fragmentada, haja vista que os contextos em que tais crimes acontecem podem mudar em pouco tempo. A mobilidade é um fator central para a compreensão do fenômeno do crime urbano, mas voltaremos a falar sobre ela em breve.


A despeito de os homicídios serem o principal indicador em se tratando de segurança pública, sua ocorrência é um artigo raro na comparação com os demais crimes e contravenções. Isso sem falar que podemos ser vítimas de uma mesma modalidade criminosa mais de uma vez. Casos de estabelecimentos comerciais que são assaltados de forma recorrente volta e meia ganham espaço no noticiário.

Para o desespero do formulador de políticas públicas, a sensação de segurança é um sentimento que não necessariamente aumenta quando os índices de criminalidade diminuem. Embora os números digam uma coisa, o temor não se esvai e a avaliação do governante X ou Y sobre aquele determinado tema permanece ruim.


Um bom exemplo disso são as estatísticas de homicídios no Brasil que vêm caindo ano a ano, mas sem que isso repercuta em uma melhor apreciação das ações do Governo Federal. Se a população fosse perguntada sobre o tema, certamente a resposta faria menção aos presos foragidos de Mossoró, um episódio fortuito no campo da segurança que ganhou dimensões de novela.

Se eu pudesse escolher apenas um item sobre o que significa sentir-se seguro no cotidiano certamente seria poder ir e vir livremente. E aí voltamos à questão da mobilidade: você consegue andar até o supermercado mais próximo sem se sentir inseguro? Se a resposta for não, muito provavelmente a sua percepção sobre a política será negativa e queda nenhuma de homicídios fará com que você mude de opinião.

Nas periferias, ainda há muitas pessoas nas calçadas e caminhando para os mais diversos destinos, mas os espaços de classe média de Fortaleza são hostis para a circulação de pessoas a pé. Andar pelas ruas da Aldeota e do Joaquim Távora é se sentir como estivéssemos no filme “Carros”: não se vê ninguém nas calçadas. Tanto isso é verdade que quando o fortalezense quer esticar as pernas ele tem de se deslocar até o calçadão da Beira Mar, onde será monitorado diuturnamente por PMs e câmeras de vigilância.

A conclusão é óbvia: para melhorar a percepção das pessoas sobre segurança é preciso prover as condições para que elas se desloquem sem medo pela cidade. E isso não passa somente por uma mudança cosmética. De nada adianta implantar vias margeadas por calçadões com vasos bonitos se o entorno é degradado e se os estabelecimentos estão abandonando o lugar.

Em outra frente, iniciativas como a ferramenta “Meu Celular”, lançada semana passada pelo Governo do Estado, podem auxiliar no incremento da segurança ao reduzirem os ganhos dos criminosos. Diante de um mundo em que o dinheiro em espécie está em extinção, o telefone celular se tornou o bem mais cobiçado pelos criminosos. O medo de uma hipotética ida ao supermercado passa muito pelo temor de ver seu smartphone sendo levado. Se o aparelho perde o valor de uso, o sentido da ação do roubo se perde também. É aguardar para ver os desdobramentos dessa medida. Que ela possa ser bem-sucedida e
que possamos andar mais tranquilos.

Foto do Ricardo Moura

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