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Redução dos homicídios no Brasil: sim, é possível
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Redução dos homicídios no Brasil: sim, é possível

Os dados divulgados pelo Mapa da Segurança Pública, relatório elaborado anualmente pelo Governo Federal, mostram uma redução de 6,3% nos homicídios dolosos no Brasil em 2024, com 35.365 casos registrados no ano passado. A quantidade de homicídios dolosos teve uma queda acumulada de 16% desde 2020, ano que ficou marcado pela eclosão da pandemia da Covid-19 e que contabilizou 42.034 assassinatos. Em números absolutos, 2024 teve 6.669 assassinatos a menos.

Como consequência dessa redução, a taxa de homicídios do Brasil caiu de 20,10 homicídios por 100 mil habitantes, em 2020, para 16,64 homicídios por 100 mil habitantes, em 2024. A diminuição pode ser atribuída a uma combinação de fatores, como maior integração entre as forças de segurança estaduais e federais, investimentos em inteligência policial e, em alguns estados, políticas mais eficientes de prevenção ao crime. Estratégias baseadas em dados e focalização de territórios violentos parecem ter contribuído para essa tendência de queda.

O Ceará aparece como um destaque negativo no mapa de 2024. O Estado apresentou a maior taxa estadual de homicídios com 34,42 homicídios por 100 mil habitantes (os leitores do Blog Escrivaninha, editado por este colunista, souberam dessa informação ainda em janeiro). O número representa mais que o dobro da taxa nacional. Pernambuco (33,55), Alagoas (30,96), Bahia (28,32) e Maranhão (27,30) vêm na sequência de um Top 5 formado apenas por estados nordestinos.

O Mapa da Segurança Pública é o retrato do que aconteceu no ano anterior, mas graças à maior transparência dos dados do atual governo é possível identificar tendências para 2025. Na comparação com os quatro primeiros de 2024, os números globais mantêm a tendência de redução. Pernambuco assumiu a primeira posição no ranking dos estados mais violentos, com uma taxa de homicídios de 31,91.

Mesmo com uma leve redução, Alagoas manteve sua taxa acima dos 30 por 100 mil habitantes. O Ceará, por sua vez, registrou uma queda de cinco pontos percentuais no primeiro quadrimestre de 2025, ficando em terceiro lugar, com uma taxa de homicídios de 29,42. A configuração de hoje do Top 5 tem ainda a entrada do Amapá no lugar do Maranhão.

A redução global dos números da violência letal é, sem dúvida, uma notícia positiva e indica que algumas políticas de segurança podem estar surtindo efeito. No entanto, é preciso cautela antes de celebrar: o número ainda é extremamente alto e revela que a violência letal continua sendo um dos maiores desafios do país. A cifra de 30 mil mortes violentas intencionais por ano faz com que o Brasil ostente a incômoda posição de um dos países mais violentos do mundo.

A desigualdade social, a fragilidade do sistema prisional, a facilidade de acesso a armas e a atuação do crime organizado seguem como problemas estruturais não resolvidos. A melhoria dos índices não foi uniforme em todo o território: enquanto algumas regiões apresentaram melhoras significativas, outras ainda sofrem com altos índices de criminalidade.

Para que essa queda se consolide e avance, é fundamental que o poder público mantenha e amplie políticas baseadas em evidências, como o enfrentamento às milícias e facções, a valorização das polícias civis e militares e, principalmente, a aposta em prevenção social, com educação, emprego e oportunidades para jovens em áreas vulneráveis.

É preciso ainda dotar o Governo Federal dos meios necessários para fazer a articulação das ações de combate à criminalidade em nível nacional. Em um seminário realizado na semana passada, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, defendeu a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). A ideia é integrar e coordenar as diversas forças policiais do Brasil, pois a criminalidade se tornou transnacional e altamente organizada, operando de forma similar a empresas, o que exige uma nova abordagem.

O ministro exemplificou essa mudança citando casos em São Paulo e Lyon, na França, onde gangues atuam em rede, mesmo em delitos aparentemente simples como furtos de veículos e celulares. "Isso é um fenômeno absolutamente novo. Não podemos ter nenhuma dúvida de que a natureza do crime, do ponto de vista ontológico, para falar uma linguagem filosófica, mudou totalmente. Então, é claro que o enfrentamento desse crime, de tal modo organizado, precisa mudar", reforçou.

Pela primeira vez em muito tempo é possível observar uma curva consistente na redução de homicídios. Do ponto de vista político, a disputa se dará agora no campo das narrativas. Os episódios individuais de violência serão instrumentalizados pela oposição a fim de se provar que nada mudou no front da segurança pública. Os dados, contudo, revelam o contrário. Então, por que não podemos crer que sim, que é possível atingirmos índices mais toleráveis de violência letal?

 

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