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Violência escolar no Brasil: Ceará registra maior alta
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Violência escolar no Brasil: Ceará registra maior alta

Levantamento da Agência Tatu, baseado em dados do DataSUS aponta que Ceará lidera aumento regional, com um crescimento de 943% em dez anos, o maior salto proporcional no País
Pesquisa aponta aumento da violência contra a criança no Ceará  (Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Pesquisa aponta aumento da violência contra a criança no Ceará

O bom desempenho de escolas particulares cearenses no Enem 2024, que contam com cinco unidades entre as 10 maiores notas, não pode mascarar um fato alarmante, mas cuja repercussão ainda não alcançou a gravidade que o assunto merece: a violência nas escolas vem aumentando de forma significativa.

Um levantamento da Agência Tatu, baseado em dados do DataSUS sobre violência interpessoal e autoprovocada, aponta para uma escalada anual nas notificações de agressões em escolas entre 2014 e 2024. Apesar de possuir a menor taxa de ocorrências por 100 mil habitantes entre as regiões brasileiras, os casos na Região Nordeste aumentaram cinco vezes na última década.

O Ceará lidera esse aumento regional, com um crescimento de 943% em dez anos, o maior salto proporcional no país. Em âmbito nacional, as notificações passaram de 3.746 casos em 2014 para 14.747 em 2024, o que representa um aumento de 294%. A violência física é a modalidade mais comum, mas também há registros de violência psicológica e agressões sexuais.

As meninas são as principais vítimas de violência nas escolas, representando 60% dos casos registrados. Esse percentual é ainda maior nas regiões Norte, onde atinge 68%, e Nordeste, com 61%. Especialistas apontam que a violência contra meninas está ligada a fatores como: assédio e violência de gênero, comportamentos machistas e objetificação de meninas comuns desde cedo; e ao bullying relacionado à aparência e críticas sobre seus corpos, vestes ou comportamentos.

Em relação à raça, 46% das vítimas de violência escolar são estudantes que se autodeclararam pretos ou pardos. Quanto à faixa etária, pré-adolescentes entre 10 e 14 anos concentram a maior parte dos incidentes, sendo responsáveis por 37% dos casos notificados no período. Os casos podem ser ainda maiores por causa da subnotificação. Muitas vítimas não fazem denúncias por medo de represálias ou por normalizarem a violência sofrida.

Pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública reforça esse cenário: 8% dos brasileiros afirmaram que alguma criança ou adolescente de sua família sofreu ataques, agressões ou ameaças que envolvem violência física na escola nos últimos 12 meses.

Se as crianças e adolescentes são vítimas prioritárias da violência, os profissionais da educação não saem ilesos desse ambiente hostil e ameaçador. Dados coletados durante a aplicação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostram que um entre cada dez professores viu atentados à vida nas escolas e quatro presenciaram agressões. No país, 3% dizem que seus colégios foram impactados por tiroteios ou balas perdidas. Os dados são de 2023, mas só foram tornados públicos este ano.

Ocorrências criminais no interior e no entorno das escolas não parecem ser um fato isolado. Essa, pelo menos, é a conclusão a que se pode chegar a partir dos seguintes resultados: 43% dos professores relataram episódios de depredações na escola; 37% foram roubados ou furtados; e 15% apontaram a presença de práticas relacionadas ao tráfico de drogas.

Alguns elementos ajudam a explicar esse fenômeno, como a falta de investimento em segurança escolar. Muitas escolas não contam com orientadores educacionais ou psicólogos para mediar conflitos interpessoais, por exemplo. É injusto atribuir somente aos professores essa tarefa que está relacionada, muitas vezes, a problemas vividos no ambiente familiar.

Além disso, o aumento da pobreza e da evasão escolar contribui para a desestabilização do ambiente educacional. Escolas situadas em áreas socialmente vulneráveis enfrentam um desafio a mais em sua tarefa de educar. É sabido, ainda, que a ausência nos bancos escolares possui diversas conexões com a letalidade de crianças e adolescentes. O percentual de vítimas de assassinatos que não frequentavam a sala de aula é bastante elevado.

Por fim, mas não menos importante, temos a exposição à violência urbana protagonizada pelo domínio territorial do crime organizado. Em conversa com profissionais da área, percebo o quanto o cotidiano escolar é objeto de uma intensa negociação com o crime a fim de que as aulas possam ocorrer com o mínimo de transtorno.

Há uma visão ingênua de que bastaria investir em educação para que os índices de criminalidade baixassem. As escolas não estão imunes aos efeitos sociais da violência sobre determinados setores da sociedade, em especial as classes mais populares e as famílias que sobrevivem em assentamentos precários.

O clamor por melhores condições e as queixas de pais, alunos e professores dificilmente superam os limites da comunidade escolar, não se tornando prioridade na condução das políticas públicas. Atentados cometidos em escolas são episódios que contam com mais repercussão, mas eles são apenas a ponta do iceberg de uma realidade ainda mais perversa. Não ampliaremos a sensação de segurança da população se não contarmos com escolas efetivamente mais seguras.

 

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