
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
O anúncio feito pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 de que Maranguape, com seus 108 mil habitantes, é a cidade mais violenta do Brasil pegou muita gente de surpresa. O município é mais conhecido, no imaginário popular, por ser a terra natal de Chico Anysio e por seu clima serrano.
Os números, contudo, revelam uma realidade nada auspiciosa. A taxa de homicídios de Maranguape é mais que o dobro da do Ceará: 79,9 por 100 mil habitantes e 37,5 por 100 mil habitantes, respectivamente.
A repercussão nacional da notícia fez com que o prefeito de Maranguape, Átila Câmara (PSB), se pronunciasse nas redes sociais. O gestor municipal rebateu a pesquisa afirmando que o "título é totalmente injusto e equivocado". Átila Câmara defende ainda que, em números absolutos, o município ocupa a quinta colocação no ranking dos municípios mais violentos do Estado. "Não somos a cidade mais violenta nem no Estado do Ceará", alega.
A taxa de homicídios deve respeitar a proporcionalidade da população de municípios, estados e países. Por isso existe uma fórmula de cálculo que toma como base o universo de 100 mil habitantes. Se Fortaleza tivesse registrado 87 assassinatos em um ano, como ocorreu com Maranguape, ela seria a capital mais segura do Brasil.
É mais produtivo pensarmos no que pode estar por trás das dinâmicas que levam um município, até então pacato, a se tornar protagonista de um ranking das cidades mais violentas. Um conceito que nos auxilia, nesse sentido, é o de "efeito balão". Para tanto, devemos voltar no tempo até a década de 1970, quando o então presidente dos EUA, Richard Nixon, declarou que o uso abusivo de drogas era o "inimigo número um" do povo norte-americano, dando início ao que ficou conhecido como a "Guerra às Drogas".
Um dos objetivos do governo norte-americano era erradicar a produção da cocaína em seu local de origem, como se somente isso bastasse para resolver o problema dos entorpecentes. A pressão exercida pelos EUA contra a Colômbia fez com que os grupos criminosos transferissem suas atividades ilícitas para áreas mais seguras e favoráveis à continuidade das ações, como Peru e Bolívia.
Fazendo um paralelo com a Física, Frank O. Mora, doutor em relações internacionais e especialista em economia política latino-americana, denominou esse fenômeno de "efeito balão": quando a pressão aumenta em um ponto, o fluxo de ar se move para áreas de menor resistência. De forma semelhante, a dinâmica socioespacial do crime se altera a partir de uma maior repressão policial em determinadas áreas.
Maranguape ocupa um local estratégico na rota metropolitana do crime organizado. Fica próxima de Fortaleza (cerca de 13 km) e está localizada entre Caucaia e Maracanaú, servindo como rota de passagem. As facções atuam nesses três municípios há mais tempo e a repressão policial incide sobre eles com muito mais força. Aperta-se de um lado e o ar se move para outro. Como um balão.
A tabela com os dados de homicídios das quatro cidades, entre 2022 e 2024, é um exemplo bastante ilustrativo disso. Fortaleza apresenta uma curva com queda nos índices em 2023, enquanto Caucaia e Maracanaú registram uma leve alta no biênio 2023-2024. Nenhuma dessas curvas de crescimento, contudo, é tão drástica como a que ocorreu em Maranguape. O número de homicídios simplesmente dobrou em dois anos, como se houvesse uma migração das mortes violentas entre os municípios.
É preciso sairmos das manchetes e focarmos nossa lupa analítica no detalhe e num período de tempo mais amplo. Se um incremento no número de homicídios de 77 para 85 não chama tanta atenção, sair de 42 crimes violentos letais intencionais (CVLIs) para o dobro em 24 meses é algo que deveria acionar todos os alertas. Quantos casos, como esse, estão ocorrendo no Ceará neste momento?
Embora tenha havido queda nos números de 2025 na comparação com 2024, em todo o Ceará, Maranguape ainda permanece como um ponto de interrogação. Os dados de CVLI deste ano, no município, não são animadores. De janeiro a julho, já foram contabilizados 43 homicídios. Fevereiro foi o mês mais violento: 11 assassinatos. Se nada for feito, Maranguape corre o sério risco de ser, mais uma vez, a cidade mais violenta do país.
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