Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
O sistema prisional no Ceará sempre foi tratado como uma pauta secundária na agenda política dos governantes. Desde os anos 1990, as condições em que os presos são mantidos vêm se deteriorando gradativamente sem que nenhuma política pública mais consistente seja implementada. Enquanto isso, a população carcerária só aumenta. Em 2006, o Estado contabilizava 11 mil pessoas presas. Doze anos depois, esse número saltou para 29 mil, agravando uma situação que já se mostrava insustentável.
As duas maiores mudanças ocorridas no período foram a desativação do Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS) e a criação dos Centros Provisórios de Privação de Liberdade (CPPL) que se tornaram, na prática, centros permanentes de privação de liberdade. O que deveria ser algo provisório, tornou-se a política definitiva, em um gesto improvisado que ilustra bem o modo como a questão do encarceramento é encarada.
Nesse meio tempo, o Ceará entrou definitivamente na rota do tráfico internacional, passando a se tornar um território em disputa para organizações criminosas com atuação nacional, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Os Guardiões do Estado (GDE), facção local surgida como resposta a essa nova ordem no mundo do crime, estruturou-se a partir da crise do sistema prisional.
Desde então, as demandas oriundas de quem está por trás das grades passaram a circular nas ruas, não mais se restringindo à população carcerária e seus familiares. O portador de tais clamores não é nenhum partido político, movimento ou associação, mas sim um sujeito coletivo e sem rosto conhecido apenas por “O Crime do Estado do Ceará” ou, em sua versão mais abreviada, “o Crime”.
Não se trata mais de uma reivindicação individual ou de uma cruzada em torno de um caso exemplar. O que o “Crime” defendia, quando de suas primeiras manifestações, era a instauração de um regime de gestão prisional menos “opressor”. Com a continuidade de suas ações e o incremento de poder que se sucedeu, as pautas se ampliaram, chegando até mesmo a uma tentativa de interferir na escolha de qual candidato a ser votado nas eleições passadas.
A chegada de Mauro Albuquerque, novo secretário de Administração Prisional, finalmente inseriu a política penitenciária no centro das ações do Governo do Estado. Se, em um primeiro momento, o choque trazido pelo endurecimento das normas causou um impacto imediato, sua manutenção, sem uma perspectiva de ampliação da reintegração dos encarcerados à sociedade, gerou um desgaste contínuo que culmina agora com uma nova onda de ataques.
A política prisional do “procedimento”, denunciada por órgãos como OAB, Pastoral Carcerária e Mecanismo contra a Tortura por flertar em demasia com a prática de maus tratos e tortura, foi bem aceita pela sociedade enquanto manteve sua aparência de solução definitiva. No entanto, o modelo baseado primordialmente em mais repressão começa a mostrar suas limitações. Passado o abalo inicial do remanejamento das lideranças para presídios federais, o “Crime” dá mostras de que ainda tem fôlego e de que não tem nada a perder.
O resultado dessa ofensiva é mais uma semana de insegurança e pânico generalizados provocada por um braço de ferro entre o Estado e as facções. Falta perceber que, em meio ao terror causado e à demonstração de força de ambos os lados, os problemas crônicos do sistema continuam passando ao largo e não é pelo incremento da força que eles serão resolvidos. O que o sistema prisional precisa, e de modo urgente, é passar por uma profunda reformulação. O risco de que os ataques se tornem parte de nossa rotina assim como ocorre com as chacinas é real.
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