Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)
O primeiro mês do ano trouxe consigo uma preocupação aos órgãos de segurança pública. Com 245 homicídios até o dia 29, conforme dados preliminares da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), janeiro de 2020 se tornou o mês mais violento desde dezembro de 2018.
Para efeito de comparação, janeiro de 2019 contabilizou 192 homicídios mesmo registrando intensos ataques promovidos por organizações criminosas em retaliação à nova política prisional que se desenhava no início do segundo mandato do Governo Camilo Santana. O resultado oficial deverá ser divulgado em breve, mas a tendência é que os números finais de janeiro sejam ainda mais elevados, haja vista que os dois últimos dias do mês não entraram nessa conta.
No ano passado, abril foi o mês com mais registros de crimes violentos letais intencionais (CVLIs) em 2019, com 213 ocorrências. Somente três meses superaram a barreira dos 200 homicídios em 2019: abril, novembro e dezembro. Em 2018, nenhum mês fechou abaixo dos 300 assassinatos, ou seja, há um aumento, mas ainda dentro de uma margem inferior aos picos históricos de violência letal desta década.
Uma análise do perfil das vítimas revela que 28 mulheres foram assassinadas em janeiro, configurando um percentual de cerca de 11% dos homicídios em geral. Os dados mostram que o fenômeno do feminicídio no estado persiste com força, embora dessa vez os índices globais também tenham aumentado. Fortaleza lidera com oito ocorrências, seguido de Caucaia (4), Quixadá (3) e Juazeiro do Norte (3). Banabuiú, município cearense com 18 mil habitantes, registrou dois casos. Proporcionalmente, trata-se de um número bastante elevado.
Do ponto de vista territorial, a tendência de metropolização das mortes violentas apontada na coluna anterior se manteve. A Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) contabilizou 98 assassinatos em janeiro, sendo responsável por 40% das mortes violentas do Ceará, maior percentual já registrado na série histórica. Em 2019, esse percentual era de 31,2%. Em 2015, eram 19%. Não é mais possível pensar em soluções para a violência e a criminalidade sem levar em consideração o que está ocorrendo no cinturão de cidades localizadas em torno da Capital.
Com 33 ocorrências, Caucaia registrou mais de um assassinato por dia, contribuindo fortemente para esse resultado. Maracanaú (14), Maranguape (12) e Pacatuba (6) vêm na sequência. Vários fatores podem explicar esse fenômeno, como áreas com grandes extensões territoriais e disputas internas no crime organizado.
Além disso, a migração das ocorrências criminais da Capital para a Região Metropolitana motivada por maior repressão policial tem de ser levada em consideração. Em 2015, Fortaleza respondia por 41% dos homicídios no Estado. Esse percentual caiu para 26,5% em janeiro deste ano. É preciso se deter com mais profundidade no que vem acontecendo em relação a esses municípios para que possamos traçar um diagnóstico sobre essas novas dinâmicas da violência letal.
Denomino o atual modelo de política de segurança pública como "de contenção" em que há forte investimento de repressão estatal nas áreas mais vulneráveis em detrimento de ações mais preventivas. A estratégia de ocupação dos locais com maiores índices de homicídios (hotspots) e linha dura nos presídios (política prisional do procedimento) teve efeitos diretos e indiretos na queda drástica nos assassinatos. Manter esse cenário exige atuação nas duas pontas das trajetórias criminais: impedir o ingresso nos grupos criminosos e criar caminhos menos tortuosos para quem deseja se retirar do mundo do crime. Tais movimentos, contudo, ocorrem em uma velocidade menor à da ocupação.
Em pleno ano eleitoral, o debate sobre a segurança pública será central na Capital e nos municípios da Região Metropolitana. De olho no discurso populista, a hipótese de que haja mudança nessa política de contenção parece improvável. Muito possivelmente teremos o acirramento dessa prática com a disseminação de torres e bases fixas em ritmo de campanha eleitoral. Medidas de caráter mais preventivo levam tempo para dar resultados, artigo raro para quem quer se manter no poder em uma eleição que promete ser a mais acirrada dos últimos tempos.
Ainda é muito cedo para cravar o que virá pela frente. Janeiro pode ter sido um ponto fora da curva em uma redução consequente dos assassinatos no Estado ou o início de uma nova escalada na violência letal. Só o tempo dirá. Enquanto isso, nos mantemos firmes na análise dos dados e na busca pela compreensão do que ocorre no campo da violência e da criminalidade.
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